quarta-feira, 28 de maio de 2014

PERMISSÃO DE ACUSADO NÃO PERMITE QUE POLICIA REALIZE BUSCA E APREENSÃO

CONSULTOR JURÍDICO 27 de maio de 2014, 16:51h


ASILO INVIOLÁVEL


Por Jomar Martins


A polícia só pode fazer busca e apreensão em residências com mandado judicial. A regra não pode ser quebrada nem mesmo se o dono da casa autorizar a entrada dos oficiais, pois não existe previsão constitucional que ampare busca policial em domicílio feita com a permissão apenas do investigado. O argumento levou a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a derrubar a condenação de um detento flagrado, durante o trabalho externo, na posse de drogas. Após ser abordado, ele levou os policiais até sua casa, onde foi encontrada mais cocaína. Para o tribunal, o consentimento se deu sob flagrante constrangimento.

O relator das Apelações, desembargador Diógenes Hassan Ribeiro, disse que o consentimento para entrar na residência — como se refere o artigo 5º, inciso XI, da Constituição — não autoriza buscas sem determinação judicial. Caso contrário, os Mandados de Busca e Apreensão seria dispensáveis, já que a polícia poderia conseguir, extrajudicialmente, o "consentimento" do proprietário.

"Ora, se a Constituição estabelece que a casa é asilo inviolável, isso significa dizer que apenas e tão-somente em estrita observância dos casos previstos em lei é que se pode proceder ao ingresso na residência alheia. Entre tais hipóteses, a mera suspeita de prática de ilícito criminal não é apta a relativizar o direito fundamental à inviolabilidade de domicílio", escreveu no acórdão.

Embora a droga e os objetos apreendidos na casa do acusado estejam "contaminados" pela ilegalidade, ressaltou o relator, tal não anula o processo, pois a busca pessoal foi revestida de legalidade, face às fundadas suspeitas de envolvimento com drogas. No entanto, frisou, não é possível manter uma condenação por tráfico apenas com base na palavra dos policiais, na ausência de outros elementos de prova.

"É verdade, e isso fica confirmado, que no Brasil se investiga de menos — e mal — e se acusa demais — e mal —, crendo que o Poder Judiciário, o guardião das liberdades, que detém — ou deve deter — o atributo da imparcialidade, deva se compadecer com acusações de fatos graves que não apresentam prova clara, esclarecedora, definitiva, da versão acusatória. No caso dos autos, impunha-se maior e melhor investigação", afirmou. O acórdão foi lavrado na sessão de 15 de maio.

A denúncia
Um casal de detentos do regime semiaberto, em regime de trabalho externo, foi acusado pela polícia de comercializar drogas perto de um hospital e de ginásios de esportes. A atividade do casal, que trabalhava em serviços de limpeza e manutenção na prefeitura de Vacaria, na Serra gaúcha, gerou várias denúncias à policia.

Em abordagem em junho de 2013, os policiais encarregados da investigação encontraram cinco volume de cocaína na roupa do acusado. Após a apreensão, ele e a mulher foram levados à sua residência, onde a polícia efetuou novas buscas. O laudo registrou que foram encontradas no local outras 250 gramas de cocaína. A prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva, que acabou derrubada pela concessão de Habeas Corpus.

Com base no inquérito policial, o casal foi denunciado pelo Ministério Público estadual como incurso nas sanções dos artigos 33, caput, e 35, ambos da Lei 11.343/06, combinado com o artigo 40, incisos III e VI, da mesma Lei, na forma do artigo 69 e 29 e 61, inciso I — todos do Código Penal. Em síntese: se associar para promover a venda de drogas em locais de grande circulação, como ginásios, visando jovens e adolescentes.

Em alegações escritas entregues durante a fase de instrução, o MP reformulou a denúncia. Requereu a condenação do réu às sanções do artigo 33, combinado com o artigo 40, inciso III, da Lei 11.343/06, e artigo 61, inciso I, do Código Penal. Ou seja, vender droga nestes locais, de forma reincidente. O MP também pediu a absolvição da mulher do acusado, por falta de provas, como dispõe o artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

A defesa, preliminarmente, afirmou que a abordagem foi ilegal e que não houve ordem judicial que autorizasse o ingresso dos policiais na residência dos réus. Assim, em razão da prisão estar em desconformidade com os requisitos legais, se faz presente a teoria dos ‘‘frutos da árvore envenenada’’, o que contamina todo o material probatório.

No mérito, afirmou que não há provas de que o réu traficava, sendo o depoimento dos policiais insuficiente para embasar uma condenação. Pediu a absolvição do réu por falta de provas ou, subsidiariamente, a desclassificação do delito para o de uso de drogas.

A sentença
A juíza de Direito Anelise Boeira Varaschin Mariano da Rocha, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Vacaria, afirmou, na sentença, que o tráfico de drogas é crime permanente, que não exige prévio Mandado de Busca e Apreensão para ingresso em residência. A permissão vem expressa nos termos do artigo 5º., inciso XI, da Constituição. O dispositivo diz que ninguém pode entrar na residência sem consentimento do morador, em função do seu caráter inviolável, "salvo em caso de flagrante delito ou desastre".

Além disso, flagrado de posse da droga, o próprio acusado franqueou a residência do casal para que os policiais fizessem busca e levantamento. Logo, emendou, no tocante a este aspecto, não se poderia falar em ilegalidade.

Com relação ao mérito, a juíza, com base nos autos e em depoimentos, se convenceu de que não existiam provas para condenar a mulher do réu. Este, ao contrário, mantinha em depósito e vendia cocaína. O próprio relatório da investigação — destacou — indica que os usuários chegavam de carro no ginásio para contatá-lo, saindo logo em seguida.

Ao fim e ao cabo, a julgadora condenou o réu à pena de cinco anos e seis meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 500 dias-multa, à razão mínima legal. A sentença ainda decretou a perda de pequenos valores em dinheiro, celulares e o automóvel Santana, de propriedade do filho do réu, usado no comércio de drogas.

Acusação e defesa entraram com Apelação no TJ-RS. A primeira, pedindo aumento de pena, em função do comércio da droga ter se realizado perto de ginásios e hospitais, como dispõe o artigo 40, inciso III, da Lei 11.343/06. A segunda, arguindo preliminar de nulidade em razão do ingresso ilegal dos policiais na casa do acusado.


Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

JURI É CANCELADO, RÉU HOMICIDA FOI OUVIDO ALGEMADO

DIÁRIO GAÚCHO 21/05/2014 | 16h01

Marilice Daronco

Júri de acusado de homicídio é cancelado porque ele foi ouvido algemado. Leandro dos Santos Gonçalves foi solto para evitar que processo seja anulado futuramente




Crime ocorreu no Alto da Boa Vista, na Nova Santa Marta, em 2012Foto: Ronald Mendes / Agencia RBS

O júri de Leandro dos Santos Gonçalves, 32 anos, um dos acusados pela morte de Ercílio Escobar Júnior, em outubro de 2012, estava previsto para ocorrer nesta quarta-feira, em Santa Maria, mas foi cancelado. Na época, a vítima foi morta com pelo menos 10 tiros, a maioria no rosto, no bairro Nova Santa Marta.

Gonçalves, que estava preso, foi solto ontem. Ele não era o único suspeito do assassinato, porém, outro homem, que também foi preso pelo crime, morreu devido a problemas de saúde.

Segundo o promotor Joel de Oliveira Dutra, a defesa verificou que, nas gravações das audiências, o réu apareceu algemado. Como, recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu, de forma unânime, anular a audiência de interrogatório de réus e testemunhas de um caso de tráfico de drogas porque o acusado foi ouvido algemado, o juiz Ulysses Fonseca Louzada acabou decidindo libertar Gonçalves e recomeçar a instrução do processo.

— As anulações acontecem quando o juiz ouve o réu algemado e não justifica a necessidade das algemas. Neste caso, o uso foi justificado, porque havia ameaças a testemunhas. Mas, por cautela, para evitar prejuízo futuro para o réu e evitar que haja um júri que seja anulado, a decisão tomada foi essa, de considerar nula a instrução. Assim, recomeça a instrução e, depois, o juiz profere uma nova decisão, dizendo se o réu vai a júri ou não. Na prática, é como se o processo recomeçasse do início e, por isso, o réu é solto — explica o promotor.

Ercílio Escobar Júnior, que era companheiro da ex-mulher de Gonçalves, foi executado na Rua 7, quadra 22, no Alto da Boa Vista, bairro Nova Santa Marta, em 8 de outubro. A suspeita é que um grupo que estava em uma carroça tenha alvejado a vítima. A motivação pode ter sido passional ou por tráfico. Um jovem de 26 anos foi preso em flagrante. Além deles, três adolescentes teriam participado do crime, mas eles negaram à polícia o envolvimento no caso.


DIÁRIO DE SANTA MARIA

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segunda-feira, 19 de maio de 2014

ETAPAS DA CONDENAÇÃO APRESENTEM SÉRIAS DEFICIÊNCIAS EM TODO O BRASIL


BRASIL SEM GRADES Mai 06|16:45


Etapas da condenação apresentam sérias deficiências em todo o Brasil


Acúmulo de inquéritos é um problema que persiste em todo o país. Com tanta burocracia, TJ de São Paulo ainda tem autos de 1874.

Na quarta reportagem da série "Impunidade", o acúmulo de inquéritos, a lentidão da Justiça, e as penitenciárias que não recuperam os presos. Da descoberta de um crime à punição do criminoso, o sistema de justiça depende de vários órgãos. A polícia investiga, encontra o suspeito e apresenta as provas de que ele é o culpado.

O Ministério Público usa essas informações para acusar e pedir a condenação do réu, que vai ser defendido por um advogado. E cabe ao juiz, ou aos jurados, se for um homicídio, decidir se o acusado é inocente ou se vai para a cadeia.

Uma fase do processo depende da outra. O problema é que, no Brasil, todas têm deficiências sérias. Para o desespero das famílias das vítimas.


CRIME SEM PUNIÇÃO

“A dor é muito grande. Eu vejo a imagem do meu filho em todos os locais. Ele permanece comigo, e, ao mesmo tempo, parece que eu não consigo fazer nada para colocar os assassinos no lugar onde eles deveriam estar”, lamenta o empresário Sérgio Gabardo, que perdeu seu filho no Rio Grande do Sul.

O empresário de Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, não se conforme na falta de punição dos assassinos do filho. “Nas instituições, eu ainda acredito. Mas eu não acredito nessas pessoas que assumiram o processo, que eles quiseram fazer alguma coisa para descobrir. Nessas pessoas, eu não acredito”, confessa Gabardo.

Mário Gabardo tinha 20 anos de idade. Na noite de 29 de setembro de 2005, ele parou o carro em uma rua. Ainda no banco do motorista, foi atingindo por dois tiros disparados por um homem que, segundo testemunhas, nem se preocupou em esconder o rosto.

Uma das testemunhas descreveu, com detalhes, o carro dirigido pelo assassino. No dia 19 de maio de 2006, o veículo foi apreendido. A testemunha confirmou: era o mesmo carro. Mas, no mesmo dia, ele foi liberado sem passar por perícia.

O assassinato de Mário Gabardo vai completar nove anos, sem solução e com a investigação arquivada. Na época, a equipe que participou dessa diligências foi uma equipe qualificada. Eles fizeram tudo que estava à disposição naquele momento”, diz Eduardo Azeredo, delegado regional de Canoas (RS).

Mas um promotor aponta várias falhas no trabalho da polícia. “Não houve a preservação do veiculo da vítima. A cena do crime foi alterada. Aí você não tem como buscar prova”, conta o promotor Amílcar Macedo.


PARA ONDE VAI O INQUÉRITO?

Antes de ser arquivado, o inquérito fez um trajeto comum na investigação brasileira. “Muitas vezes, o inquérito vai, fica na delegacia, vai para prazo, volta, passa mais um mês na delegacia e não se ouve ninguém, não acrescenta nada. Ou seja, o inquérito passou um mês na delegacia sem nada acontecer”, aponta Guaracy Mingardi, especialista em segurança.

Dessa forma, não há condenação possível. Mas a impunidade também tem outros motivos. “Segurança pública não é só um caso de polícia. Ela exige uma série de ações públicas, políticas públicas que envolvem outros atores como municípios, como o governo federal, como o poder judiciário. E, enquanto a gente ficar tratando segurança como um caso de polícia, a gente só vai, infelizmente, lamentar as taxas de violência porque a polícia sozinha não vai dar conta desse cenário”, analisa Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O Ministério Público do Rio de Janeiro alterou o sistema de trabalho para tenta antecipar eventuais falhas e para acelerar os inquéritos. Cada promotor cuida sempre das mesmas delegacias. A produtividade aumentou, mas o problema está longe de ser resolvido.

“Na maioria esmagadora dos casos, e aí eu estou com certeza, acima de 90%, o promotor de Justiça é obrigado a requisitar novas diligências. Ou, até mesmo, simplesmente conceder aquele prazo de prorrogação para que aquelas diligências que a própria autoridade policial já determinou sejam concluídas”, explica o promotor Márcio Nobre.

O acúmulo de inquéritos policiais é grande em todo o país. Os cartórios da Justiça Criminal de São Paulo recebem 1.500 inquéritos por dia. Apenas 192 funcionários precisam conferir um por um.

“Não há menor dúvida que esse sistema, que é inadequado para a nossa realidade, não contribui para a redução dos índices de impunidade. Pelo contrário, ele é um motor que fomenta a impunidade. Nossa sociedade não vai conseguir sobreviver a mais 50 anos nessa escalada crescente de violência”, analisa Alfonso Presti, promotor supervisor do controle de administração de inquéritos do Ministério Público de São Paulo.


JUSTIÇA BUROCRÁTICA

Vai ser difícil encontrar espaço para tantos processos. O Brasil gosta de guardar papéis. O Tribunal de Justiça de São Paulo ainda tem os autos de um réu condenado a levar chicotadas em 1874.

A burocracia aumenta a lentidão da Justiça. Em Mato Grosso, mais de 80% dos inquéritos de primeira instância estão com a tramitação atrasada, pelos critérios do Conselho Nacional de Justiça.

O presidente do Tribunal de Justiça do Estado diz que, para dar conta do serviço, seriam precisos mais 50 juízes e quase 1500 servidores. Mas não existe dinheiro para isso.

“Precisamos, sim, investir fortemente na área de pessoal, de tecnologia. Para que nós, em um curto espaço de tempo, nós possamos ter a Justiça que todos nós desejamos. Reconhecidamente, não temos a Justiça que desejamos”, afirma Orlando Perri, presidente do Tribunal de Justiça do Mato Grosso.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, apenas os tribunais do Acre, do Amapá e do Tocantins cumpriram mais de 60% das ações penais dentro do prazo estabelecido pela Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública.

Em outros quatro estados (Paraná, Alagoas, Mato Grosso do Sul e Goiás) e no Distrito Federal, o cumprimento da meta ficou abaixo desse patamar. E, na maior parte do país, não passou de 30%. A média nacional não chega a 16%.


QUANDO PUNE, PUNE ERRADO

Com tantas dificuldades para identificar e processar um criminoso, a gente começa a pensar que ninguém é condenado no Brasil. Mas aí vem à memória aquelas cenas de cadeias cheias, presídios em rebelião porque estão superlotados.

Neste país se pune muita gente, mas até isso a gente faz mal.

Mais de 4.300 presos onde cabem apenas dois mil. O presídio central de Porto Alegre é um retrato do sistema prisional brasileiro. No ano passado, 11 detentos foram mortos dentro das celas, que não têm grades há mais de dez anos.

"Se tivéssemos com grades, ou portas nas celas, não caberiam todos os presos que habitam essa galeria, dentro das celas”, justifica o tenente coronel Osvaldo Luís Machado da Silva, diretor do presídio da capital do Rio Grande do Sul.

No local, só deveria haver presos provisórios, mas quase a metade (42%) é de condenados e 80% dos que passam pelo presídio central voltam para lá.

“Se pegar esse preso de uma cidadezinha pequena e bota em um presídio grande, de alta periculosidade. Você está proporcionando que ele tenha novos conhecimentos de delitos, aumente suas relações criminosas e ali pode estar formando um criminoso”, aponta Gelson Treiesleben, supervisor do sistema penitenciário do Rio Grande do Sul.

“O único momento que nós veremos alguma diferença vai ser quando nós nos dermos conta que ódio gera ódio. Que vingança gera vingança, e que o crime se organiza. Quem comete crime, quem vive de alguma forma, acabou fazendo isso a sua vida, não vai desistir disso tão fácil”, alerta Luciano Preto, promotor de execução criminal.

Presídios lotados com rebeliões e mortes, penitenciárias que deixam os criminosos mais violentos. Todos os brasileiros veem isso com tanta frequência que parece que é assim mesmo. Não tem jeito.

Mas pode ser diferente. Na última parte da série “Impunidade”, o Jornal da Globo mostra um país latinoamericano que, assim como o Brasil, tem problemas sociais, mas consegue oferecer segurança à sua população.

Fonte: Globo.com

terça-feira, 6 de maio de 2014

O QUE NÃO ESTÁ NOS AUTOS NÃO ESTÁ NO MUNDO

G1 POLÍTICA - sex, 05/10/12


por Carlos Velloso |




Na sessão desta quinta-feira (4), o ministro Ricardo Lewandowski justificou seu voto pela absolvição de José Dirceu ao considerar que não havia, nos autos do processo, provas que o incriminassem por corrupção ativa. O revisor do caso afirmou não descartar, “em tese”, que o ex-ministro tenha comandado o mensalão, mas disse que isso não estava demonstrado na ação. Para justificar seu voto, citou um conhecido princípio do Direito, explicado aqui por Carlos Velloso.

“Quod non est in actis non est in mundo”, o que não está nos autos não está no mundo. Este é um velho brocardo que vem do Direito Romano e que é adotado nos Judiciários de Estados democráticos. “Mundo”, nesse axioma jurídico, tem o sentido de verdade real. Não é verdade se não está nos autos.

Nos regimes democráticos, o indivíduo é julgado pelo seu juiz natural, que é o juiz legal, juiz independente, imparcial, que não se curva senão à sua ciência e à sua consciência.

O juiz com garantias de independência, de que decorre a imparcialidade, é o juiz que, num julgamento, considera apenas o que está nos autos. Não raras vezes, um indivíduo, apontado como estelionatário ou peculatário – e conhecido como tal – é absolvido. Assim o foi, porque o juiz não encontrou, nos autos, prova que autorizasse a condenação.

Frankfurter proclamava, na Suprema Corte americana, que é preferível errar em favor da liberdade do que contra ela. A característica de um tribunal independente e imparcial é justamente esta: o julgamento basear-se exclusivamente na prova que está nos autos. Esse tipo de comportamento faz legítimo o julgamento.

Há certas provas, entretanto, que, mesmo não repetidas nos autos, não podem ser desconsideradas. Por exemplo: o depoimento tomado perante uma Comissão Parlamentar de Inquérito, depoimento público, com observância das garantias constitucionais do acusado, certo que a CPI tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (C.F., art. 58, § 3º).

Há, todavia, quem não concorde com o afirmado. Outro exemplo: a prova emprestada, que é feita em outro processo, e a defesa ou o Ministério Público pede a sua juntada, por cópia. Por que não considerá-la, se ela poderia levar à comprovação da verdade real?

Voltemos à questão básica: o que não está nos autos não está no mundo. Há de ser compreendido o velho axioma jurídico com a interpretação daquilo que está nos autos. Segundo a interpretação de um juiz, a prova é conducente à condenação. Outro juiz, entretanto, entende de modo contrário. Há que se respeitar ambos os entendimentos. A garantia de um julgamento justo está justamente na independência intelectual do juiz, que se curva apenas a sua ciência e a sua consciência.

A democracia tem um custo. Os povos realmente democráticos pagam esse preço tranquilamente.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

OPERAÇÃO CONCUTARE, A LERDEZA DE UMA JUSITÇA

ZERO HORA 01/05/2014 | 23h06

Fraude ambiental


Operação Concutare: denúncia do Ministério Público só sairá em julho. Órgão indica que deverá pedir a condenação da maior parte dos 18 presos em abril de 2013



Operação apreendeu R$ 500 mil em notas de reais, euros e dólaresFoto: Divulgação / Agencia RBS


Um ano depois de desencadeada a Operação Concutare, o Ministério Público Federal (MPF) ainda aguarda documentos que dissecam a movimentação financeira de parte dos investigados para concluir a denúncia relacionada ao caso que revelou supostos esquemas de fraudes em licenças ambientais em órgãos municipais, estadual e federal. À frente da investigação, a procuradora Patrícia Weber espera concluir o trabalho até julho.

Apesar de não adiantar se todos os 49 indiciados em agosto passado pela Polícia Federal (PF) terão reponsabilidades apontadas, Patrícia afirma que a tendência é denunciar todos os 18 presos no dia em que a operação foi deflagrada. Serão enquadrados nos delitos de corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e crimes ambientais.

— Tendência existe, com certeza. Porque, quando se realiza a prisão de uma pessoa, é preciso haver elementos de que ela tenha participado (da fraude) — diz Patrícia, coordenadora criminal da Procuradoria da República no Estado.

A demora para formular a denúncia, diz Patrícia, deve-se ao grande volume de material e à complexidade do caso. Para dar robustez à denúncia, foram examinados e agregados às provas 54 processos de licenciamentos ambientais e 30 laudos da situação financeira dos investigados.

Embora em casos do gênero a maior parte dos valores circule entre suspeitos em dinheiro vivo, foram encontradas movimentações bancárias suspeitas. Com mais provas, diz Patrícia, é maior a chance de condenação. Apesar de não citar nominalmente os investigados, a procuradora dá pistas sobre os principais alvos:

— O que posso afirmar é que a atenção maior da acusação se volta para as pessoas de maior importância nos órgãos e maior importância nas condutas.

Como foi a operação

Foco em licenciamentos

A Concutare foi deflagrada em 29 de abril de 2013, com 18 presos, incluindo os então secretários do Meio Ambiente do Estado, Carlos Niedersberg – que menos de um mês antes presidia a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) –, e de Porto Alegre, Luiz Fernando Záchia, além do secretário do Meio Ambiente do governo Yeda Crusius, Berfran Rosado, que atuava como consultor privado na área. Foram presos ainda empresários e um funcionário do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e feita uma apreensão de R$ 500 mil em reais, euros e dólares (foto acima).

Como ocorriam as irregularidades

Interessados em fraudar licenças atuavam especialmente na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), órgão vinculado à Secretaria do Meio Ambiente, e no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Em depoimento, servidor público confessou receber propina.

O que ocorre depois da denúncia do MPF

O Judiciário decide se aceita ou não a denúncia. Se aceitar, os acusados se tornam réus no processo.




ZERO HORA 30/04/2013 | 05h42

por Adriana Irion*

Como se deu a operação da Polícia Federal que derrubou a cúpula ambiental. Uma ação policial balançou na segunda-feira o governo estadual e a prefeitura da Capital


Personagens que se repetiam em investigações sobre o mesmo tema e a frequência de denúncias sobre supostas irregularidades envolvendo a concessão de licenças fez soar na Polícia Federal o alerta de que para estancar crimes ambientais seria preciso mirar na corrupção de agentes públicos.

Foi assim que nasceu, em junho de 2012, a investigação que resultou na segunda-feira na prisão de 18 pessoas, entre elas, os secretários do Meio Ambiente do Estado e de Porto Alegre.


Deflagrada em oito cidades no Rio Grande do Sul e em Florianópolis, em Santa Catarina, a partir das 6h, a Operação Concutare repercutiu imediatamente em Israel, onde o governador Tarso Genro cumpre viagem com uma comitiva gaúcha. Ao receber uma ligação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, avisando sobre a prisão do secretário Carlos Niedersberg, Tarso determinou a exoneração e sua substituição por Mari Perusso, que atuava na Casa Civil. O prefeito José Fortunati também demitiu o secretário Luiz Fernando Záchia.

Em um dos trechos da decisão judicial em que foram decretadas as prisões, está registrado que as informações "carreadas aos autos ilustram um ambiente de supremacia do poder econômico sem escrúpulos, na qual o interesse da sociedade, em especial o meio ambiente, encontra-se totalmente desguarnecido". São investigados crimes ambientais, contra a administração pública e de lavagem de dinheiro.

Posse mudou planos da PF

Niedersberg era investigado como presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), órgão que comandava desde janeiro de 2011. A indicação dele para assumir a pasta do Meio Ambiente, no início do mês, causou contratempo na apuração da PF. Como passou a ter foro privilegiado como secretário estadual, a investigação teve de ser remetida para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A operação da PF estava pronta para ser realizada quando Niedersberg tomou posse. Acabou adiada. Segundo a assessoria do TRF4, assim que a exoneração de Niedersberg for publicada no Diário Oficial do Estado, o caso voltará a tramitar na Justiça Federal de 1º grau, na 1ª Vara Federal Criminal.

Trechos de documento da Justiça Federal indicam que Niedersberg "estaria diretamente envolvido na concessão ilegal de licenças ambientais mediante o recebimento de vantagens indevidas." Quanto a Záchia, o despacho da prisão temporária destaca que foi percebida na investigação "estreita relação dele com despachantes ambientais (...), inclusive com encaminhamento de vantagens ao secretário por ter encampado interesses privados no seio da administração municipal".

Em relação a Berfran Rosado, que foi secretário estadual do Meio Ambiente no governo Yeda Crusius, há suspeitas de que ao prestar consultorias por meio do Instituto Biosenso Sustentabilidade Ambiental, do qual é sócio, agiria fazendo tráfico de influência por manter uma rede de relações em órgãos ambientais. Ao ser preso, Berfran tinha R$ 25 mil e US$ 25 mil dentro de uma pasta de trabalho.



Presos foram para o Presídio Central

Na decisão judicial sobre as prisões, consta: "(...) quanto aos mencionados despachantes ambientais, que prestam consultorias ou assessorias a empresas, ficou evidenciado que se posicionam, muitas vezes, como meros interlocutores entre servidores públicos e empresários, servindo, também, como entreposto para pagamento da propina destinada à concessão de licenças. Neste contexto, merece destaque a participação do Instituto Biosenso (...), que, na verdade, presta-se possivelmente à instrumentalização de delitos contra a administração pública".

A PF cumpriu 28 mandados de busca, no qual foram apreendidos documentos, 22 computadores, seis armas e cerca de R$ 500 mil, além de US$ 44 mil e 5,2 mil euros. Os suspeitos estão com prisão temporária decretada com prazo de cinco dias, que pode ser prorrogada por mais cinco. Os detalhes da ação foram divulgados pela PF em entrevista coletiva comandada pelo superintendente do órgão no RS, delegado Sandro Caron.

Até o fechamento desta edição, 17 dos 18 presos haviam sido transferidos da sede da PF para o Presídio Central, em Porto Alegre. Eles devem retornar à PF conforme a necessidade de prestarem novos esclarecimentos sobre as suspeitas.

A investigação, que deve resultar em indiciamentos de cerca de 50 pessoas por corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica, por crime ambiental e lavagem de dinheiro, foi feita pela Delegacia de Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico e pela Unidade de Desvio de Recursos Públicos da PF.

— A investigação revelou um grau muito nocivo de promiscuidade entre a atuação de servidores públicos, despachantes, consultores e empresários. Observamos que algumas licenças só seriam emitidas se houvesse pagamento de quantias em dinheiro — explicou o delegado Thiago Machado Delabary, da Unidade de Desvios de Recursos Públicos da PF.

*Colaboraram Cleidi Pereira, Francisco Amorim e Juliana Bublitz

O nome da operação

– A palavra concutare tem origem no latim e significa concussão — crime cometido por servidor contra a administração pública.

– A concussão é consumada com a exigência, por servidor, de vantagem indevida.

– Não é necessário que tenha ocorrido pagamento de propina ou qualquer outro benefício. Basta que o servidor tenha exigido vantagem, o que é crime.

– Ou seja, consuma-se o crime ainda que nenhum ato irregular tenha sido praticado. A pena é de dois a oito anos de reclusão.

– Para o professor de linguagem jurídica Adalberto Kaspary, alguém derrapou no latim na hora de batizar a operação, pois a palavra "concutare" não existe no idioma.

– Segundo Kaspary , o certo é "concutere", palavra que originou o termo concussão e que significa extorquir dinheiro de alguém mediante ameaça.