sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

PRISÃO DE INOCENTE

ZERO HORA 28 de fevereiro de 2014 | N° 17718


JOSÉ LUÍS COSTA


CRIME NA CAPITAL. 
Prisão de inocente faz caso voltar à estaca zero

Polícia descartou envolvimento de homem na morte do publicitário Lairson Kunzler



A prisão de um inocente,até então suspeito de envolvimento no assalto que resultou na morte do publicitário Lairson José Kunzler, 68 anos, forçou a Polícia Civil a recomeçar a investigação do ponto de partida. O homem detido provisoriamente ontem pela manhã tinha contra si cinco indícios de autoria do crime, incluindo impressões digitais no Civic da vítima e semelhança física com o assassino, mas convenceu a polícia de que nada tem a ver com o motoqueiro que matou Kunzler a tiros para roubar R$ 44,2 mil.

Ocrime ocorreu segunda-feira, diante da portaria do condomínio Jardim do Sol, onde o publicitário morava, no bairro Cavalhada, zona sul de Porto Alegre. O suspeito – cujo nome e dados pessoais não foram divulgados – trabalha temporariamente em um estacionamento próximo ao banco Itaú, no bairro Moinhos de Vento, onde Kunzler deixou o veículo para ir até a agência sacar o dinheiro.

Conforme relato do suspeito em depoimento na 6ª Delegacia da Polícia Civil, as digitais dele estavam na porta do Civic porque ele manobrou o veículo na manhã do dia do crime. O homem apresentou tíquetes que comprovariam a entrada do Civic por volta das 11h40min e a saída do estabelecimento perto do meio-dia. Do estacionamento, a vítima foi seguida por dois bandidos em uma motocicleta até o bairro Cavalhada, local do ataque.

A polícia tinha as informações do suspeito desde terça-feira, quando marcas de dedos dele foram identificadas pelo Instituto-geral de Perícias (IGP). Após a decretação da prisão pela Justiça, na noite de quarta-feira, agentes foram ontem pela manhã ao apartamento do suspeito, no centro da Capital, e encontraram o local vazio, com sinais de que estava desabitado havia alguns dias.

Em um cômodo foi localizado um bilhete com um nome feminino. A partir daí, a mulher, amiga do homem, foi localizada e informou o endereço onde ele estava trabalhando.

Além de quatro fragmentos de digitais, a fisionomia e uma tatuagem semelhantes às do bandido que aparece nas imagens do ataque elevaram as desconfianças contra o suspeito. A polícia se convenceu de que estava na trilha para esclarecer o crime. Apenas um fator intrigava os agentes: o suspeito não tinha antecedentes criminais, contrastando com o que se percebe ao ver as imagens da cena do roubo. O assaltante demonstrou ser experiente e ágil ao manusear o revólver.

Laboratório americano vai examinar imagens do atirador

Após interrogar o suspeito, a delegada Áurea Regina Hoeppel afirmou:

– Não é ele. Tenho plena convicção que nada tem a ver com o crime.

O homem confundido com o assaltante evitou entrevistas. O desfecho inesperado pôs por terra a expectativa da polícia de ter o caso esclarecido em menos de 72 horas.

Agora, a delegada aguarda exames do IGP em fragmentos de outras duas digitais deixadas no carro do publicitário, enquanto tenta identificar suspeitos que aparecem em cenas gravadas pelo circuito interno do Itaú e rastrear quadrilhas. Além disso, cópias das imagens do atirador foram enviadas para um laboratório dos Estados Unidos capaz de desenhar rostos (mesmo que encobertos por capacete) e feições a partir de pequenos traços de fisionomia.



PISTAS FRIAS
Polícia Civil se valeu de cinco indícios para prender o homem errado na manhã de ontem

1) Impressões digitais na porta do automóvel da vítima
2) Compleição, traços físicos e estatura semelhantes ao do criminoso que atirou em Kunzler
3) Tatuagem parecida em uma das pernas
4) O suspeito não aparecia em casa havia mais de uma semana e não teria boa relação com a vizinhança
5) Sem trabalho fixo (atualmente o homem cuidava do estacionamento da família)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

ATOR PRESO AO SER CONFUNDIDO COM ASSALTANTE

JORNAL DO COMÉRCIO 26/02/2014 - 13h27min


Ator preso ao ser confundido com assaltante deve ser liberado de presídio nesta quarta-feira

Agência O Globo



O ator e vendedor Vinícius Romão de Souza, de 26 anos, deve ser solto nesta quarta-feira. Rubens Nogueira de Abreu, advogado de Vinícius chegou por volta das 8h40m à Cadeia Pública Juíza Patricia Acioli, em São Gonçalo, e declarou que a família não vai ao local e que não há previsão de quando o oficial de Justiça chegará ao presídio com o alvará de soltura. Ele também não quis comentar se Vinícius entrará na Justiça contra o estado ou contra a mulher que o acusou. Segundo o advogado, isso será decidido pela família de Vinícius.

"Minha preocupação é de que ele saia daqui ainda hoje", disse o advogado.

Questionado se a repercussão na mídia e nas redes sociais foi essencial para que a Justiça determinasse a liberdade provisória de seu cliente, Rubens negou, creditando a reviravolta ao trabalho dele mesmo. Vinícius se encontra numa cela com outros 15 presos, mas não sofreu violência. Segundo o advogado, Vinícius está tranquilo por ser psicólogo e ter consciência de sua inocência.

Ainda de acordo com Rubens Abreu, com o novo testemunho da vítima do assalto, a copeira Dalva da Costa Santos, que contou ter se confundido quando identificou Vinícius como o ladrão, seu cliente deve ser absolvido depois do carnaval.

A Corregedoria Interna da Polícia Civil vai apurar se houve alguma irregularidade na prisão do ator. A Justiça concedeu na tarde desta terça-feira a liberdade provisória para o rapaz, que havia sido preso no último dia 10, acusado de ter roubado a bolsa de uma mulher no Méier, Zona Norte da cidade. Em novo depoimento à polícia, Dalva da Costa Santos admitiu ter se enganado ao reconhecer Vinícius como o homem que a assaltara. A investigação vai avaliar a conduta do policial civil Waldemiro Antunes de Freitas Junior, da 11ª DP (Rocinha), que abordou Vinícius e apresentou a ocorrência à 25ª DP (Engenho Novo), e a do delegado de plantão William Lourenço Bezerra, responsável pelo flagrante.

Pela decisão judicial, Vinícius terá de comparecer ao Fórum mensalmente e não poderá deixar a cidade. O juiz em exercício da 33ª Vara Criminal, Rudi Baldi Loewenkron, afirmou em sua decisão que o rapaz poderia ficar solto, já que tem endereço fixo e emprego, não possuindo antecedentes criminais nem o perfil de um criminoso comum.

Em novo depoimento na 25ª DP, Dalva afirmou que o local onde foi roubada não era bem iluminado e que viu apenas rapidamente o rosto do ladrão. “Fica quietinha e passa a bolsa”, ameaçou o criminoso ao abordá-la. Ainda segundo a vítima, que trabalha como copeira em um hospital do Méier, o bandido usava blusa preta e tinha cabelo no estilo black power, corte semelhante ao de Vinícius, cujo cabelo foi cortado no momento da prisão.

Dalva disse ainda que, já no dia seguinte ao roubo, devido às insistentes negativas de Vinícius, teve dúvidas e pensou em ir à delegacia para retirar a queixa, mas não o fez por não ter o dinheiro da passagem. Ao ver a repercussão do caso na mídia, a sensação de que poderia ter se enganado aumentou.

No dia 10, Vinícius seguia a pé para casa, no Méier, quando foi abordado por dois policiais que acompanhavam a vítima, perto do Viaduto de Todos os Santos. Ele foi obrigado a se deitar de bruços no chão e, depois, levado à 25ª DP. Na delegacia, a copeira chorava muito ao afirmar reconhecê-lo como o assaltante. Esse testemunho foi usado para manter o rapaz preso.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

AS ARMAS SOB A GUARDA DA JUSTIÇA


Ilustração de um depósito de armas no Fórum brasileiro


O Estado de S.Paulo 20 de fevereiro de 2014 | 2h 08


OPINIÃO




Menos de três meses depois do furto de 30 pistolas e revólveres no Fórum Criminal da Barra Funda, o maior da América Latina, um dos juízes corregedores do Departamento de Inquéritos Policiais, que assumiu o cargo no início do ano, deu pela falta de outras 215 armas. Pelas investigações da Polícia Civil, elas teriam sumido há dois anos - o que ainda não sabe é se foram levadas de uma só vez ou aos poucos.

As salas de acesso restrito do Fórum Criminal da Barra Funda, onde essas armas estavam guardadas, são vigiadas por câmeras. E todos os que entram têm de se identificar e se submeter a um detector de metais, além de serem acompanhados por um serventuário judicial ou por um policial militar - o que torna o problema ainda mais grave, por envolver funcionários e agentes em esquemas de desvio e tráfico de armas. Apreendidas em operações policiais, quase sempre em flagrantes de assalto, essas pistolas e revólveres constituem a principal prova utilizada pelo Ministério Público em processos penais.

Além de tumultuar o cotidiano das Varas de Execuções Penais, o desaparecimento dessas armas favorece os réus, uma vez que, sem elas, a materialidade dos crimes de que são acusados fica comprometida. Mais grave ainda, os revólveres e pistolas subtraídos do Fórum Criminal da Barra Funda podem ter retornado às mãos de criminosos, pondo em risco a segurança da população.

Infelizmente, esse problema já se tornou uma triste rotina nos fóruns de todo o País, que contam com seguranças desarmados apenas durante o horário de funcionamento. No período noturno, a maioria dos fóruns não conta com vigilantes, ficando inteiramente desprotegida, o que facilita a ação de bandidos.

Somente no Estado de São Paulo, nos últimos dez anos, foram roubadas centenas de armas de fogo - inclusive espingardas, fuzis e até metralhadoras - nos fóruns de Caraguatatuba, Mauá, Pindamonhangaba, Mogi das Cruzes, São José dos Campos e Guaratinguetá. Na ocasião em que sumiram, muitas delas nem sequer haviam sido periciadas. E, das que haviam sido periciadas, algumas, depois de rastreadas, foram encontradas em poder do crime organizado e até mesmo de facções criminosas em penitenciárias.

Não há estatísticas precisas, mas juízes criminais e promotores de Justiça estimam que os fóruns de todo o País mantenham, sem a proteção necessária, mais de 755 mil armas de fogo. No Legislativo, as comissões técnicas do Senado e da Câmara têm publicado relatórios informando que, em média, uma arma de fogo é subtraída de algum fórum diariamente. Em 2011, o Conselho Nacional de Justiça baixou resolução cobrando, sem sucesso, providências dos tribunais de todo o País. E, no ano passado, uma respeitada ONG - o Instituto Sou da Paz - publicou um levantamento denunciando uma "epidemia de furto de armas".

Defendida há muitos anos por entidades de estudo da violência e especialistas em segurança pública, uma solução para o problema seria periciar rapidamente as armas apreendidas em operações policiais e destruí-las em seguida, uma vez que o laudo circunstanciado poderia servir de prova judicial. Outra solução proposta por essas entidades e especialistas é a elaboração de convênios entre o Judiciário, o Executivo e as Forças Armadas para agilizar as perícias, assegurando prova e contraprova, e apressar a destruição. O fato é que as armas apreendidas não precisam ficar armazenadas, por causa dos controles frágeis do Poder Judiciário e dos riscos que acarretam para a população, afirma Renato Sérgio de Lima, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. "Não faz sentido estocar armas relacionadas a crimes. É óbvio que elas acabam nas mãos do crime novamente", diz o cientista político e ex-subsecretário nacional de segurança pública Guaracy Mingardi.

Custa a crer que essas soluções simples e sensatas não tenham sido postas em prática.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Só num país onde a justiça criminal e a segurança pública são tratadas com descaso que as provas são depositadas nos fóruns, locais sem segurança e passíveis de roubo e descontrole. Nos países mais adiantados, as provas ficam armazenadas em depósitos da polícia onde há controle e segurança 24 horas. Outra falácia é envolver as forças armadas neste imbróglio. 




sábado, 15 de fevereiro de 2014

DEPOIS DE 16 ANOS, PROCURADORIA CONFIRMA PROVAS DO MENSALÃO MINEIRO

REVISTA ISTO É N° Edição: 2308 | 14.Fev.14 - 20:50

Corrida contra o tempo


Depois de 16 anos, Procuradoria confirma as provas do mensalão mineiro, pede 22 anos de prisão para o deputado Eduardo Azeredo e o processo caminha para um desfecho no STF. Os outros réus, no entanto, ainda aguardam manifestação da Justiça de Minas

Josie Jerônimo 


Adormecida durante 16 anos, a Ação Penal 536, que envolve o chamado mensalão mineiro, esquema de arrecadação irregular de recursos para a campanha eleitoral do PSDB para o governo de Minas em 1998, revelado por ISTOÉ em 2007, acaba de chegar à sua fase final. Na semana passada, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao STF uma denúncia de 84 páginas contra o deputado e ex-governador tucano de Minas Gerais Eduardo Azeredo. Ele é o principal personagem do processo e em 1998 tentava a reeleição para o comando do Estado. Em sua denúncia, o procurador reafirma todas as revelações feitas por ISTOÉ, acusa Azeredo de peculato e lavagem de dinheiro e pede uma pena de 22 anos de prisão – superior, por exemplo, à de Delúbio Soares, José Dirceu, José Genoíno e João Paulo Cunha, para ficar nos integrantes do chamado núcleo político da AP 470, o processo do mensalão do PT. Na quinta-feira 12, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso no STF, declarou que vai julgar a Ação Penal 536 com “o máximo de isenção e empenho”.

ESQUEMA - Segundo a denúncia, Azeredo utilizou o cofre de empresas estatais
para repassar R$ 3,3 milhões à agência de Marcos Valério


A pena tão alta contra Azeredo se justifica por uma razão que não se encontra nos autos. É que a AP 536 caminhou tão devagar que agora se transformou numa corrida contra o tempo. O ex-ministro Walfrido dos Mares Guia, por exemplo, um dos réus no processo, já se favoreceu com a prescrição e nem sequer será julgado. Como a decisão judicial será tomada 16 anos depois dos fatos ocorridos, qualquer condenação inferior a 20 anos permitirá que Azeredo deixe a Suprema Corte sem receber nenhuma punição prática, pois a denúncia estará prescrita. O fato de o julgamento ocorrer ainda no primeiro semestre, porém, pode trazer uma repercussão política em ano de disputa eleitoral. Os petistas avaliam que, no mínimo, uma condenação de Azeredo poderá reduzir os danos provenientes das condenações dos líderes do PT na AP 470. No PSDB, o raciocínio é diferente. Segundo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda que seja provada a existência de crimes no mensalão mineiro, ele não se refere a uma operação que contamine o partido, mas a um suposto esquema isolado na campanha de Azeredo.


RIGOR - O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, disse que vai julgar
a Ação Penal 536 com "o máximo de isenção e empenho"

Independentemente do uso político, a denúncia do procurador-geral da República contém provas abundantes. Comprovantes bancários demonstram que Azeredo teria utilizado o cofre de empresas estatais para repassar pelo menos R$ 3,3 milhões à agência SMP&B, de Marcos Valério, o mesmo operador do mensalão do PT. De lá, os recursos teriam sido pulverizados para arcar com as despesas de campanha. A proximidade entre Azeredo e Marcos Valério, segundo o procurador, se expressa em números: foram registradas 57 ligações telefônicas entre os dois durante a corrida eleitoral. Numa analogia ao caso petista, o procurador afirma que Azeredo agiu como José Dirceu e foi o “maestro” do esquema. Diz ainda que Azeredo também agiu como Genoíno, sendo o avalista dos repasses financeiros.

AS ACUSAÇÕES - O procurador Janot enviou ao STF a denúncia contra Azeredo.
Ele acusa o ex-governador de peculato e lavagem de dinheiro

Convencido de que o inquérito trouxe provas que falam por si, Janot faz em sua denúncia uma crítica expressa à “Teoria do Domínio do Fato”, empregada por seu antecessor, Roberto Gurgel, no julgamento da AP 470. “O que há nos autos são provas suficientes para a condenação do réu, porque foi, efetivamente, autor de condutas criminosas. Não se trata de presunções, mas de compreensão dos fatos segundo a realidade das coisas e a prova dos autos.” Uma diferença importante é que não há, na Ação Penal 536, uma dúvida que percorre a AP 470 até hoje, sobre a natureza dos recursos utilizados na campanha eleitoral. Se o dinheiro entregue ao esquema petista tinha como origem um Fundo de Incentivo que pertencia à multinacional Visanet, o que gerou o debate sobre sua natureza pública ou privada, não há dúvida de que os recursos entregues ao PSDB eram públicos, pois saíram do cofre de estatais como Copasa, empresa estatal de saneamento, Cemig, de energia elétrica, e Comig, de mineração.



A primeira denúncia sobre o mensalão mineiro foi feita em 2004, quando quatro procuradores de Minas Gerais procuraram Claudio Fonteles, que era o procurador-geral da República, para relatar fatos que envolviam o desvio de recursos das empresas estatais para a campanha. Fonteles deu alguns retoques no trabalho e enviou a denúncia para o Supremo, pois envolvia um parlamentar, Azeredo, que só poderia ser investigado com autorização do STF. O caso ficou parado até que, depois da denúncia contra o PT, a investigação sobre o PSDB mineiro foi retomada. Mas o STF só julgará dois réus, aqueles com direito a foro privilegiado. A denúncia contra outros 13 envolvidos caminha, em passos ainda mais lentos, numa Vara de Primeira Instância de Belo Horizonte. Nesse caso ainda nem sequer foram intimadas todas as testemunhas de defesa.


Fotos: Alan Marques/Folhapress; Gustavo Moreno/CB/D.A Press


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É mais uma prova da que a falta de sistema judicial e a leniência dos membros dos poderes de justiça é que dão asas para a impunidade. Não é possível que um esquema mafioso que desviou altas somas em dinheiro público, valores que poderiam ser empregados numa finalidade para preservar a vida, educar e tratar a saúde das pessoas, tenha a cobertura omissa e o descaso funcional de autoridades  investidas nos mais altos cargos da justiça, permitindo a demora em julgar, a prescrição das penas e o descrédito na justiça brasileira. Deveriam ser responsabilizados também. É UMA VERGONHA! 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

LEIS MAIS RÍGIDAS PARA CONTER VIOLÊNCIA EM PROTESTOS

Beltrame sugere leis mais rígidas para conter violência em protestos. Secretário de Segurança propõe a proibição do uso de máscaras e a tipificação dos crimes de desordem e associação
VERA ARAÚJO
JÚNIA GAMA 



O GLOBO
Publicado:11/02/14 - 5h00
Secretário de Segurança propõe que a sociedade discuta a violência que vem ocorrendo durante os protestos Paula Giolito / Agência O Globo (06-12-2013)


RIO e BRASÍLIA — Um projeto de lei elaborado por uma comissão de juristas convidados pelo secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, para tipificar o crime de associação para a incitação ou prática de desordem está há três meses em análise no Ministério da Justiça. Para Beltrame, a polícia fica de mãos atadas enquanto não houver leis mais rígidas. Ele propõe que a sociedade se engaje na aprovação da proposta, que inclui a proibição do uso de máscaras durante os protestos. Ainda esta semana, Beltrame vai apelar para outro caminho, levando a proposta ao relator da comissão que analisa projetos de segurança pública do Congresso, Pedro Taques (PDT-MT).

— Qual é o grau de tolerância que a sociedade tem com a violência apresentada durante as manifestações? Só para dar um exemplo, a pessoa que foi presa com o artefato já havia sido presa três vezes. As idas à delegacia não foram suficientes para ela repensar seus atos. Ela voltou a praticar crimes. A dificuldade que a autoridade policial tem de mantê-la presa passa pela aprovação de uma lei mais voltada para a prática da desordem, o que foge da minha alçada — afirmou Beltrame.

No dia 22 de novembro do ano passado, o secretário procurou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para entregar uma minuta de projeto de lei com a proibição do uso de máscaras e do porte de armas ou de objetos que pudessem causar lesão. Além disso, o texto sugere uma nova redação para os artigos 287-A e 288-B do Código Penal, que tratam de crimes contra a paz pública. O primeiro estabelece penas de dois a seis anos, além de multa, para quem pratica a desordem em lugar público, agredindo ou cometendo qualquer ato de violência física. Se este resultar na morte de alguém, a pena será de seis a 12 anos. O artigo 288-B prevê reclusão de três a seis anos quando três ou mais pessoas se associarem com o fim de praticar desordem, vandalismo ou qualquer tipo de violência.

A ideia de preparar um projeto de lei surgiu após os protestos contra a Copa das Confederações, em junho de 2013.

— As manifestações surgiram no ano passado de uma maneira que nunca havíamos visto. Gente mascarada utilizando pedras, coquetéis molotov, rojões, foguetes, estilingues incendiários. Temos tentado viver um protesto de cada vez, complementando com informações da nossa inteligência e treinando os policiais. Em função do que temos hoje na lei, não temos condições de manter estas pessoas presas e puni-las, porque os crimes são de menor potencial ofensivo. Temos prendido muita gente, foram cerca de 50 na última quinta-feira, mas todos foram soltos. Fizemos o estudo para propor as mudanças legislativas para evitar que isso ocorra — disse o secretário, que, com base em relatórios sigilosos do setor de inteligência, prevê protestos mais violentos em março.

Segundo Beltrame, se a proposta tivesse se tornado lei no ano passado, provavelmente o tatuador Fábio Raposo, acusado de passar o rojão que matou o cinegrafista Santiago Andrade, estaria preso ou respondendo a inquérito:

— Eu respeito o Ministério da Justiça, mas não posso deixar que as coisas continuem acontecendo aqui, nas minhas costas, na Central do Brasil (onde ocorreu o protesto da última quinta-feira). A própria Constituição garante o direito de manifestação, mas veda o anonimato e a utilização de armas durante os protestos. Estamos só pedindo para regulamentar algo previsto na Constituição há 30 anos. Precisamos ser rápidos, pois temos a Copa do Mundo à nossa porta.

Apelo por apoio de Dilma

Sobre a oferta da presidente Dilma Rousseff, de colocar a Polícia Federal para investigar os culpados da morte do cinegrafista, Beltrame disse que o apoio à aprovação de qualquer lei, seja ou não a proposta por ele, é a maior ajuda que o governo federal poderia dar à sociedade:

— Que bom que ela (Dilma) ficou sensibilizada. Acho que melhor maneira de a presidente ajudar à sociedade agora seria a de apoiar nossa proposta de lei. Temos que proibir o uso de máscaras para coibir a violência. Nosso projeto de lei está pronto e deveria entrar logo na pauta do Congresso. Isso, sim, daria muito mais segurança a todas as pessoas que estão na ruas, seja ativista, seja policial, seja imprensa.

O Ministério da Justiça informou que a proposta de Beltrame está sob análise, juntamente com um conjunto de sugestões recebidas pelo governo para enfrentar e coibir a violência em manifestações. De acordo com o ministério, Cardozo se comprometeu a enviar ao Congresso projeto de lei com medidas para aperfeiçoar a legislação.

No Senado, outro projeto em trâmite tipifica o crime de terrorismo. Ele começou a ser discutido em junho de 2013, auge das manifestações, sendo aprovado em novembro na comissão do Congresso que regulamenta dispositivos da Constituição. Após receber a nota de repúdio a agressões a profissionais de imprensa, do Conselho de Comunicação Social do Congresso, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou que o projeto entrará na pauta até a próxima semana:

— Se você pune levemente, passa a ideia de que o crime compensa, e o crime não compensa.

Presidido pelo arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta, o Conselho aproveitou a reunião de ontem para reforçar a defesa da federalização das investigações desses casos e sugerir às entidades representativas de trabalhadores e empresários da área de comunicação que “busquem, conjuntamente, ações para garantir aos jornalistas, radialistas e demais comunicadores condições de trabalho e de segurança”. Segundo a nota do Conselho, a agressão a Santiago revela “comportamentos autoritários de pessoas ou grupos de pessoas que não conseguem conviver com o Estado de direito e, principalmente, com a comunicação pública. Ou ainda a ação equivocada do Estado, por meio de suas polícias que, em vez de proteger os jornalistas e outros comunicadores, tentam impedir seu trabalho.”

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

JUDICIÁRIO LENTO, BUROCRÁTICO E INJUSTO

SUPERINTERESSANTE, ABRIL, 2002


Justiça

Lento, burocrático e injusto, o Judiciário brasileiro é cada vez menos procurado por quem deseja garantir seus direitos. Mas dá para torná-lo mais ágil


por Vinícius Romanini




A Justiça tarda mas não falta”, reza o ditado popular. Ou melhor, rezava. Hoje, os brasileiros sabem que só a primeira metade desse ditado continua verdadeira. No Brasil, a Justiça tarda tanto que muitas vezes não chega. O resultado é a impunidade, que dá aos piores bandidos o salvo-conduto para continuar a praticar homicídios, seqüestros e estupros. Apenas 0,2% dos crimes cometidos chegam à condenação e prisão dos culpados. E os bandidos são os mais bem informados de que é mais fácil ganhar num jogo de bingo do que receber a justa punição por um crime cometido. A Justiça tarda tanto que muitos crimes prescrevem antes que o processo chegue ao final, premiando o réu com uma providencial extinção da pena. E, quando um processo criminal cumpre inteiramente o longo percurso de julgamentos e recursos até chegar à sentença final, quase dez anos terão se passado.

Quando o bandido tem um bom advogado, é praticamente certo que gozará esse tempo fora da cadeia – livre inclusive para cometer outros crimes. Em muitos casos, a pena prescreve.

O resultado disso é o pior possível: o total descrédito da população pelo sistema judiciário. A parcela de brasileiros que batem à porta do Judiciário com esperança de ver um erro reparado é ínfima. No último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 1990, apenas 4% dos brasileiros haviam procurado a polícia e a Justiça para garantir seus direitos. Desses, a grande maioria o havia feito apenas para cumprir as exigências das companhias de seguros, como acontece nos casos de roubos de automóveis. E nisso está uma das principais fontes de violência na sociedade, pois muita gente prefere “fazer justiça” com as próprias mãos.

Os efeitos econômicos da ineficiência da Justiça também são terríveis. Em 1996, uma pesquisa do Banco Nacional de Desenvolvimento mostrou que a ineficiência do Judiciário custa, anualmente, o equivalente a 15% do Produto Interno Bruto.

O problema não é novo. Rui Barbosa – talvez o maior jurista brasileiro – já afirmava aos seus alunos de Direito que justiça atrasada é o mesmo que injustiça manifesta. E não tem solução simples. Não dá para tratar o Judiciário como uma empresa, com regras de produtividade e metas anuais, por exemplo. Basta notar que uma das causas da lentidão reside numa de suas qualidades mais louváveis: o direito de ampla defesa que toda pessoa tem ao ser acusada de um crime, além do direito de ser julgado em mais de uma instância. São direitos fundamentais para que você não corra o risco, algum dia, de ser acusado injustamente e condenado sem ter tido a chance de se defender.

O problema é que esses direitos constitucionais, ao serem traduzidos no código que rege o processo penal, transformaram-se numa escada sem fim de instâncias de julgamento e nada menos que 16 tipos de recursos. Em vez de garantirem direitos ao cidadão, acabam sendo usados malandramente para se ganhar tempo ou anular uma decisão por uma questão meramente formal. “Temos uma Justiça kafkiana”, afirma o jurista Diogo de Figueiredo Moreira Neto, autor do livro “O sistema judiciário brasileiro e a reforma do Estado”, lembrando o célebre romance “O processo”, do escritor Franz Kafka.

Se você nunca leu “O processo” talvez tenha assistido ao filme Brazil, que narra a história de um mundo superburocratizado, em que injustiças são perpetuadas para não atrapalhar o funcionamento da máquina judiciária. O título do filme diz muito da imagem que nosso sistema tem pelo mundo afora. Nesse jogo que muitas vezes beira o surreal, no qual só os advogados, promotores e juízes entendem as regras nos seus detalhes mais complexos, o processo se transformou numa peça abstrata, um monte de relatórios, pareceres e sentenças que seguem mecanicamente o rito processual sem levar em conta que os interessados são pessoas de carne e osso, que sofreram agressões ou até mesmo que perderam suas vidas nas mãos de pessoas perigosíssimas. Muitas vezes conta mais para a sentença final quem falou primeiro perante um juiz (o código exige que a acusação fale antes da defesa do réu para que o julgamento tenha validade) do que aquilo que foi dito durante a audiência.

Na verdade, nem todos esses problemas nascem no Judiciário, pois quem faz as leis e códigos processuais é o Legislativo. Cabe aos deputados e senadores muita responsabilidade pelo imbróglio em que a Justiça se meteu. No Senado pode ser votada nos próximos meses a controvertida reforma do Judiciário. O projeto inicial, de autoria do jurista Hélio Bicudo, atual vice-prefeito de São Paulo, ficou dez anos sendo debatido e emendado até que chegasse à sua forma atual. “Não sobrou praticamente nada do meu projeto”, reclama Bicudo. “Perdemos mais uma chance de criarmos uma Justiça mais ágil e eficiente.” Para ele, o corporativismo das instituições e os lobistas mais uma vez impediram que a Justiça fosse simplificada e passasse a atuar voltada para os interesses de seus únicos clientes legítimos: os cidadãos.



Inquéritos policiais

No que se refere diretamente ao combate à criminalidade, uma das inovações derrubadas por emendas mudava a forma pela qual o inquérito policial é produzido. Hoje, quem preside o inquérito é o delegado de polícia, que na maioria das vezes entrega à promotoria um documento cheio de falhas ou até mesmo com graves afrontas à Constituição, como são os casos de confissão sob tortura. “Os delegados muitas vezes não conseguem colocar um carimbo no lugar certo”, afirma o desembargador Jorge Uchôa de Mendonça, presidente do Instituto dos Magistrados do Brasil e presidente da 5ª Câmara Criminal do Rio de Janeiro. Uchôa também afirma que os delegados muitas vezes são nomeados e promovidos por critérios políticos, o que os coloca numa posição frágil, por exemplo, quando têm de investigar uma pessoa influente na sociedade. “Não é raro encontrarmos defeitos deliberados no inquérito, produzidos para evitar a condenação do acusado”, diz Uchôa.

Havia duas propostas para resolver o problema das investigações incompletas. A mais defendida é a que transferia para o Ministério Público, ou a promotoria, a presidência do inquérito. A promotoria é um órgão ligado ao poder Executivo, cuja atribuição é fiscalizar o cumprimento da lei. Como é quase sempre o promotor quem oferece a denúncia à Justiça, depois de analisar o inquérito enviado pelo delegado, por que não deixar logo para o promotor a responsabilidade de produzir um inquérito sem falhas? Esse é o sistema adotado em países como a Itália, por exemplo, que conseguiu avançar muito no combate à violência graças aos promotores da “Operação Mãos Limpas”, que investigaram as ligações do crime organizado com o sistema político e com a administração pública.

A segunda hipótese seria a criação de um juiz responsável pelas investigações, chamado de juiz de instrução, como acontece na Espanha e na França. Os defensores dessa idéia afirmam que só um juiz, por ser vitalício (não pode ser demitido), inamovível (não pode ser transferido) e gozar da irredutibilidade do salário, pode conduzir uma investigação sem sofrer pressões políticas e financeiras. O jurista Diogo de Figueiredo Moreira Neto defende a implantação dos juizados de instrução à francesa. Lá, os jovens juízes, ao ingressar na carreira, passam algum tempo como juízes de instrução. Com isso ganham experiência prática com os pequenos delitos do dia-a-dia para poder julgar, no futuro, casos mais importantes. Também seria uma maneira de aproximar o juiz da sociedade, evitando que ele desenvolva a cultura do processo abstrato e burocrático.

As duas opções chegaram a ser discutidas no projeto de reforma, mas a pressão das associações de delegados sobre os deputados acabou prevalecendo sobre a necessidade de mudança. Os delegados abominam a idéia de ter que responder a um promotor e juiz pelo andamento de um inquérito. E como estão muito mais próximos dos eleitores do que juízes e promotores, têm muito mais valor eleitoral para os deputados. O resultado é que fica tudo como está, ao menos quanto ao inquérito.



Juizados especiais

A aproximação do Judiciário com a população começa a acontecer de uma outra forma: a implantação dos juizados especiais criminais, que estão sendo criados principalmente onde há alta taxa de criminalidade. Eles são semelhantes aos popularmente chamados “juizados de pequenas causas”, só que voltados para delitos menores, que não envolvam atentados à vida.

As vantagens desses juizados são muitas: eles desafogam a Justiça comum, hoje atolada com centenas de milhares de processos, para que cuide apenas dos crimes mais graves. Isso deve agilizar o andamento dos processos. Por outro lado, julga rapidamente os pequenos delitos, o que a longo prazo deve restabelecer a confiança da população no sistema judiciário. Outra característica importante dos juizados é buscar um acordo entre as partes envolvidas já na primeira audiência. Se houver acordo, o juiz aplica uma pena alternativa ao culpado (geralmente trabalho na comunidade). A queixa só se transforma em processo se não houver acordo. Dessa forma, disputas que poderiam se arrastar por vários anos na Justiça comum são resolvidas em poucos meses. Para funcionarem bem, no entanto, os juizados dependem de outras instituições. A mais importante talvez seja a Defensoria Pública, um órgão pelo qual o governo oferece advogado a quem não pode pagar e que pode ser ampliado e fortalecido.

“A Defensoria Pública não pode continuar a ser o patinho feio do sistema. Ela é fundamental para que a Justiça seja garantida também para as camadas mais pobres”, afirma Diogo de Figueiredo Moreira Neto.



Descentralizar e informatizar

O jurista Hélio Bicudo vai mais além. Para ele, a mesma descentralização proposta pelos juizados deveria valer também para a Justiça criminal comum. As varas e alçadas criminais, que geralmente ficam concentradas em enormes prédios, localizados geralmente no centro das grandes cidades, deveriam dar lugar a varas e alçadas espalhadas como são as delegacias e funcionando principalmente nas regiões de criminalidade acentuada. “Hoje uma testemunha, por exemplo, precisa atravessar a cidade e perder um dia inteiro para dar um depoimento”, explica. No seu projeto de reforma enviado à Câmara há dez anos, Bicudo também defendia uma simplificação na estrutura do Judiciário, hoje dividido entre Justiças Federal, Estadual e Militar. “Isso é um desperdício de dinheiro público com prédios e duplicações de funções”, afirma. Ele defende a extinção da Justiça Militar (que julga crimes cometidos por policiais militares) e a junção das Justiças Estadual e Federal numa no nível dos Estados.

Parece óbvio que a simplificação melhora o desempenho, mas o Judiciário brasileiro parece ver nessa idéia um perigo aos seus empregos e salários. Basta entrar em qualquer arquivo de um tribunal para ter uma apavorante amostra da aversão que a Justiça parece ter por simplicidade. São milhares de documentos empilhados esperando julgamento ou pareceres. Numa época em que até a padaria da esquina da sua casa já tem e-mail e home page na internet, a Justiça Federal só no ano passado abriu licitação para a introdução de um sistema unificado de troca online de informação entre os tribunais federais. Quando instalado, o Infojus permitirá que se saiba de tudo que uma pessoa aprontou nos diversos Estados. Hoje, um perigoso bandido na Bahia, por exemplo, ainda pode ser tratado como um santo em São Paulo.

Nas justiças estaduais o problema é outro. Vários Estados já dispõem de bancos de dados informatizados, que começaram a ser implantados por volta de 1995. O problema é que muitos desses sistemas não conversam entre si, o que impede que as informações sejam trocadas. Isso acontece porque cada Estado tem autonomia administrativa sobre sua Justiça. “Não existe padronização de sistemas e há um desnível muito grande no nível de informatização de uma região para outra do país”, afirma o advogado Marcos da Costa, presidente da Comissão de Informatização Jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Para ele, a simples introdução de computadores poderia reduzir pela metade o tempo de tramitação dos processos.

Um estudo sobre o poder transformador da tecnologia no Judiciário está sendo feito por um grupo de Santa Catarina, reunindo membros de todos os tribunais e advogados. O uso de assinatura digital, de processos eletrônicos de certificação e a implantação de intranet (uma espécie de internet voltada só para o Judiciário) poderiam fazer milagres. “O que levaria meses para acontecer poderia ser despachado em questão de segundos”, diz o advogado.

No entanto, muitas associações de magistrados vêem com receio essas mudanças. A informatização traz consigo formas muito mais ágeis de fiscalização por parte das corregedorias, além da possibilidade de tornar público todo o andamento do processo. Em outras palavras, o juiz perde o conforto recôndito de sua sala e passa a ser cobrado diretamente pela sociedade. Por isso, muitos preferem afirmar que o problema da lentidão está na falta de juízes, o que não deixa de ser verdade, como demonstram as estatísticas.



Otimização de recursos

No Brasil, há 1 juiz para cada 29 mil habitantes, enquanto nos países do primeiro mundo essa relação raramente ultrapassa 1 para 10 000. Além disso, os magistrados reclamam que faltam verbas para reformar os tribunais, contratar novos assessores e até mesmo motoristas. “Os juízes estão tirando férias para colocar o serviço em dia. Como são obrigados a fazer audiências diariamente, não têm tempo para os despachos. Isso é desumano”, afirma o desembargador Uchôa, do Instituto dos Magistrados do Brasil.

Realmente, o funil do sistema judiciário produz grandes deformações na carreira. Hoje, quanto mais velho e experiente é um juiz, depois de passar por seguidas promoções, mais trabalho ele vê acumulado sobre sua mesa. Para se ter uma idéia, cada ministro do Superior Tribunal de Justiça (a terceira instância de julgamento) julgou, em média, 7 000 processos em 2001. E é um trabalho que tem muito de mecânico, que exige pouco de suas qualidades intelectuais. Por outro lado, um jovem juiz que começa sua carreira numa pequena comarca de primeira instância passa o dia olhando as paredes.

As soluções para essa deformidade, porém, não passam necessariamente pelo inchamento dos quadros do Judiciário. Uma medida simples e eficiente seria a transferência para o escrivão de todo o ordenamento do processo criminal. Os juízes só interviriam no caso de dúvida ou impasse na tramitação do processo, ficando liberados para fazer o que a sociedade realmente espera deles: julgar.

Outra medida simples e eficaz seria a introdução de multa no caso de abuso de recursos por parte dos advogados. Isso refrearia a prática comum, entre os advogados, de buscar qualquer brecha que permita um recurso, mesmo que não haja embasamento para o pedido. Assim, as instâncias superiores ficariam menos atoladas e poderiam trabalhar com muito mais agilidade.



Súmula vinculante

Uma outra proposta é a adoção de um artifício chamado súmula vinculante. Como muitos processos são extremamente parecidos, parece perda de tempo e dinheiro permitir que tramitem anos a fio pelas engrenagens do Judiciário se a decisão final do Superior Tribunal de Justiça será repetir a jurisprudência já estabelecida. O que a súmula faz é obrigar os juízes das instâncias inferiores a emitir suas sentenças já de acordo com a jurisprudência. A idéia parece boa, mas encontra adversários por todo o sistema judiciário. A justificativa é que a súmula engessa e distancia a Justiça da realidade das ruas e da evolução da sociedade.

Na prática, a súmula faria com que qualquer crime fosse responsabilidade apenas dos 11 juízes do Supremo Tribunal Federal (STF). Os juízes das instâncias inferiores passariam a ser, na visão dos críticos da súmula, meros despachantes. Há um certo exagero nisso. Basta notar que, hoje, 80% dos processos em tramitação decorrem de planos econômicos do governo e são praticamente idênticos. Mesmo assim, atravessam todo o pingue-pongue de recursos até chegarem à sentença final do Supremo Tribunal Federal.

Um meio-termo entre essas duas opiniões seria a adoção da súmula somente a partir do primeiro recurso. Ou seja: os juízes de primeira instância continuariam livres para julgar de acordo com sua consciência e a súmula passaria a funcionar mais como um antídoto para a enxurrada de recursos que os advogados costumam impetrar. Só que, mais uma vez, isso vai contra interesses corporativistas: muitos advogados vão perder o ganha-pão por não terem mais como arrastar os processos por anos a fio. E os juízes das instâncias superiores vão perder parte de seu poder.

Como se vê, a briga nos bastidores prioriza interesses privados. Enquanto isso, a sociedade continua clamando por uma Justiça que tarde menos e, principalmente, que não deixe de faltar.

O que precisa ser feito

• Transferir a responsabilidade pelo inquérito policial para o Ministério Público, para evitar que o trabalho tenha que ser refeito pela Justiça.

• Ampliar a rede de juizados especiais criminais, que julgam crimes com pena máxima de até dois anos.

• Descentralizar varas e alçadas criminais, onde são julgados crimes com penas superiores a dois anos, e criar unidades nos bairros, segundo a densidade demográfica e a taxa de criminalidade.

• Implantar um sistema informatizado que permita a rápida troca de dados entre os tribunais e evite que foragidos em um Estado passem por santos em outro.

• Adotar a súmula vinculante a partir do primeiro recurso a instâncias superiores, para evitar os recursos protelatórios, mas mantendo a autonomia do juiz de primeira instância.

• Criar multas para advogados que apresentem recursos protelatórios, sem embasamento jurídico.

• Transferir o ordenamento do processo criminal do juiz para o escrivão, para desafogar os magistrados e dar a eles tempo para julgar.


Linha do tempo

1891

Após a proclamação da República (1889), o Superior Tribunal Federal (STF) concentra a defesa dos direitos civis e políticos dos cidadãos, criando uma instância a mais de recurso.



1891

Com a organização do Estado em federação, a Justiça se divide em federal (crimes contra a União) e estadual (crimes comuns), criando uma duplicidade que muitos acham desnecessário.



1891

Os crimes de maior repercussão passam a ser julgados por júri popular.



1934

São criadas as justiças Militar e Eleitoral. O Judiciário fica mais ramificado e se burocratiza.



1934

O país se industrializa e se urbaniza. As varas das grandes cidades e tribunais superiores começam a acumular processos. Tem início a lentidão da Justiça.



1941

Aprovado o Código de Processo Penal, em vigor até hoje, que define o número de recursos cabíveis, entre outros ritos. É consenso que o código está ultrapassado.



1965

Após o golpe de 1964, o Ato Institucional 2 (AI 2) proíbe o Judiciário de controlar os atos dos militares no poder. A violência política cresce, com a formação de grupos terroristas e esquadrões paramilitares. Livres do controle da Justiça comum, os militares atropelam a lei e a Constituição no combate à oposição.



1965

O Ato Institucional 5 (AI 5) reforça a proibição dos juízes em apreciar ações dos militares e faz limitações à concessão de habeas-corpus. Da convivência entre presos políticos e comuns surgem grupos criminosos com táticas terroristas. Nasce o crime organizado.



1968

A burocratização do Judiciário atinge o ápice. Milhares de processos se acumulam nos arquivos dos tribunais. Sem qualquer controle da sociedade, o Judiciário se torna um poder descolado do resto do país. As verbas são consumidas em prédios suntuosos e mordomias para os juízes.



1988

A Constituição é nova, mas a Justiça continua a mesma do início do século. Os lobbies do Judiciário impedem reformas. Por outro lado, o Judiciário ganha força e passa a arbitrar todo tipo de conflito. O número de crimes tipificados cresce para atender a sociedade, criando nova onda de processos. Planos econômicos geram milhares de ações que entopem o sistema. O Judiciário fica praticamente paralisado.



1995

As Justiças estaduais começam a se informatizar independentemente e criando sistemas e banco de dados que não conversam entre si. O que deveria ajudar acaba se tornando mais um obstáculo, principalmente diante do crescimento do crime organizado, com ramificações por todo o país e com braços inclusive no exterior.



1998

Implantada a Comissão de Reforma do Judiciário no Congresso. O número de processos que chegam às instâncias superiores ultrapassa a capacidade dos órgãos. Os ministros do Supremo chegam a julgar 7 000 processos por ano.



2001

Depois de passar pelos dois turnos de votação no Congresso, o projeto de reforma recebe emendas no Senado. Deve ir a votação ainda no primeiro semestre de 2002.



2001

A Justiça Federal finalmente faz uma licitação para a implantação do Infojus, o sistema de informatização do Judiciário, que só deve entrar em funcionamento a partir de 2003.

LEIS MUITO BRANDAS

SUPERINTERESSANTE, ABRIL,2002


Leis


Nosso Código Penal prevê penas muito brandas? Faz sentido dar tanto benefício a um condenado? Veja como melhorar a legislação e reduzir a impunidade.

por Yuri Vasconcelos



Uma jovem é assassinada a tesouradas, por um colega de trabalho e sua esposa, num matagal ermo. A vítima foi emboscada e não teve chance de se defender. A polícia prende os assassinos e a Justiça os condena. O rapaz, a 19 anos de prisão, por homicídio qualificado (com agravantes). A mulher, como cúmplice, a 18 anos e 6 meses. Mas eis que, dez anos depois do início das sentenças, os dois já estão em liberdade, graças a indultos e benefícios previstos em lei.

Para quem ainda não identificou o caso, trata-se do assassinato da atriz Daniela Perez, pelo qual foram condenados Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. O desfecho da história gerou revolta em familiares e amigos de Daniela e em parte da sociedade. Mas é preciso lembrar que tudo foi feito de acordo com a legislação em vigor. Nenhuma lei foi violada no caminho do processo, até a libertação dos dois. Para alguns, essa permissividade da legislação é a causa da criminalidade. Outros acham que o problema não reside nas regras, mas em seu cumprimento. Ao final, resta a questão: é essa a lei que a sociedade quer hoje para julgar quem infringe as regras do convívio social?

Antes, um histórico. O Direito Penal brasileiro fundamenta-se sobre três conjuntos de leis: o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal. Aos dois primeiros, uma das principais críticas é a de que eles estão ultrapassados, por terem sido escritos há várias décadas, num tempo em que os casos de seqüestro e narcotráfico, por exemplo, eram raros.

O Código Penal, escrito em 1940, transformou-se, nos últimos anos, numa enorme colcha de retalhos, tantas foram as emendas que tentaram atualizá-lo. É ele que descreve o que é crime e determina a pena para cada tipo de infração. O Código de Processo Penal, de 1941, é o que determina os passos que a Justiça deve respeitar diante da ocorrência de um crime, da investigação policial ao julgamento. É seu anacronismo que faz com que os processos se arrastem lentamente e com tantas protelações, em geral a favor dos criminosos. Por fim, a Lei de Execução Penal, de 1984, define as condições em que o sentenciado cumprirá a pena.

Considerada falha em muitos pontos, ela permite, por exemplo, que, depois de cumprido um sexto da pena, boa parte dos condenados alcance o privilégio de voltar às ruas para cumprir o restante da sentença no regime semi-aberto, no qual o sentenciado passa o dia em liberdade e só volta à noite para a prisão. Foi essa lei que devolveu a liberdade aos assassinos de Daniela Perez depois de cumprirem pouco mais da metade da pena.

Muitos especialistas acreditam que não é possível combater a criminalidade com leis tão ultrapassadas e cheias de anomalias. De fato, há distorções. A pena para um homicídio doloso (com intenção), por exemplo, vai de 6 a 20 anos, enquanto o tempo de cadeia para um funcionário público que mexer num computador para tirar vantagem indevida pode chegar a 12 anos. Num caso extremo, um homicida pode ficar seis anos atrás das grades, e um burocrata corrupto, o dobro do tempo. Essa distorção, que faz com que as penas para crimes contra o patrimônio sejam mais severas do que as para os crimes contra a vida, permeia vários artigos do Código Penal Brasileiro.



Maior agilidade

Corrigir tais falhas não é uma tarefa fácil. A mudança de uma lei depende da aprovação do Congresso Nacional e da sanção do presidente da República, o que não acontece da noite para o dia. É comum, aliás, uma mudança passar tanto tempo esperando aprovação que, ao entrar em vigor, já está ultrapassada. Mas há solução. Segundo Amilcar Aquino Navarro, presidente da Comissão de Acompanhamento Legislativo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, tramitam hoje no Congresso Nacional mais de 100 projetos relacionados à violência, desde os que prevêem restrições à venda de armas até os que endurecem a pena para seqüestro.

Uma das mais interessantes é uma proposta de reforma do Código de Processo Penal entregue em março de 2001 aos parlamentares e que aguarda para ser votada. Formulada por uma equipe de juristas a pedido do Ministério da Justiça, ela ataca uma das maiores deficiências da Justiça: a falta de agilidade, que lhe dá o já gasto apelido de “morosa”. Dividida em oito projetos de lei, a proposta limita o prazo dos inquéritos policiais em 60 dias, eleva o valor máximo de fiança de 500 reais para 3 milhões de reais e reformula os procedimentos dos julgamentos. Se aprovada, exigiria que os processos fossem concluídos em um ano, ao contrário dos habituais três ou quatro anos. Segundo o juiz aposentado e professor de Direito Luiz Flávio Gomes, um dos autores da proposta, também serão eliminados vários dos recursos que hoje só servem para que réus com bons advogados possam adiar o momento de encarar a Justiça. Exemplo disso é o que dá a todo condenado a mais de 20 anos de cadeia o direito a novo julgamento. Sabe-se lá qual

a lógica disso, mas hoje é assim: os teoricamente mais perigosos têm direito a uma nova chance.

As sugestões de mudanças legislativas não param por aí. Muitos defendem medidas de caráter preventivo para reduzir a criminalidade, como a duplicação da pena para crimes contra policiais. “Estou certo de que os bandidos fazem esse cálculo e, sabendo que a pena é mais alta, pensariam duas vezes antes de atirar num policial”, afirma Amilcar Navarro, da OAB.

Outra solução seria a criação de leis para combater crimes específicos que hoje não estão devidamente tipificados na legislação, como delitos pela internet e o crime organizado. “Algumas condutas que hoje não são punidas ou punidas de forma distorcida devem ser previstas em leis mais apropriadas”, diz o criminalista Maurício Zanóide de Moraes, de São Paulo. O crime organizado também está na mira dos legisladores. Seis projetos tornando mais dura a legislação sobre esse tipo de crime – já existem no país duas leis sobre o assunto – tramitam no Congresso. Um deles tipifica o crime organizado como hediondo e agrava a punição. Outro, de autoria do governo, altera a Lei Antidrogas e cria mecanismos para que traficantes condenados permaneçam mais tempo atrás das grades. O projeto propõe punições diferentes para quem promove o tráfico, para quem financia a atividade criminosa e para quem forma quadrilha. A idéia é dar um caráter cumulativo às punições para combater com mais eficiência esse tipo de crime.



Penas mais duras

Ao analisar as sugestões para reformulação do Direito Penal brasileiro, percebe-se que os juristas dividem-se em duas correntes, com idéias bem diferentes. Os mais conservadores defendem que a solução para acabar com a violência é endurecer a lei e aplicar penas severas para bandidos violentos, com o objetivo de mantê-los por um longo tempo presos. Hoje, o tempo máximo que uma pessoa pode ficar presa é 30 anos, mesmo que tenha sido sentenciada a mais de 100, como é o caso do motoboy Francisco de Assis Pereira, o maníaco do parque.

O promotor Carlos Eduardo Fonseca da Matta, da 3ª Procuradoria de Justiça do Ministério Público de São Paulo, defende essa tese. “No Direito Penal realmente científico, o importante é conter o criminoso”, diz. “A idéia de reabilitação é uma falácia. O papel do Direito Penal é proteger a sociedade e, por isso, latrocidas, estupradores e seqüestradores têm que ficar presos por um longo período para que não possam cometer novos crimes.”

Mas há quem pense diferente e se guie pelas idéias do jurista italiano Cesare Becaria, do século XVIII, para quem o que inibe o crime não é o tamanho da pena, mas a certeza da punição. O criminalista Maurício Zanóide de Moraes, de São Paulo, é um deles. Para ele, a lei deve sofrer ajustes que tornem os processos mais ágeis e corrijam suas distorções, como no caso das penas para crimes patrimoniais e contra a vida. “A criminalidade nunca foi resolvida com a repressão dura. A pena de reclusão está superada como forma de reeducação”, afirma. O jurista Luiz Flávio Gomes concorda: “O certo não é o endurecimento das penas, mas a aplicação da lei. Isto é uma ‘crimidiotice’”.

Em meio a esse debate, a redução da maioridade penal é um dos temas mais polêmicos. Hoje, menores de 18 anos são inimputáveis, o que significa que, ao cometerem um crime, não são presos, mas enviados para unidades da Febem onde cumprem medida socioeducativa. Para os linha-dura, punir os menores de 18 anos como adultos é um passo para a redução da criminalidade. “Só no Brasil o menor criminoso é tratado como coitadinho”, afirma o promotor da Matta. “Nos Estados Unidos, eles chegam a ser condenados à pena de morte.”

Defensor do tratamento mais tolerante com os adolescentes, Eduardo Dias de Souza Ferreira, promotor da 1ª Vara Especial da Infância e Juventude de São Paulo, é contrário à medida. “A redução da idade de responsabilidade penal não contribuirá em nada para combater a violência”, diz. “Hoje você reduz para 16 anos, amanhã para 14 e daqui a algum tempo vai ter gente defendendo que se mate a criança ao nascer. A culpa vai ser da parteira.” Segundo Ferreira, apesar das mazelas da Febem, o índice de reincidência de menores infratores é bem inferior ao de presidiários. “Um trabalho socioeducativo intenso com esses adolescentes infratores é mais eficaz para a recuperação do que o confinamento numa cadeia”, diz ele. Ou seja, para ele, o tratamento diferenciado reduz, de fato, a criminalidade entre adolescentes.

Há quem veja o caminho entre uma coisa e outra. Um dos pontos mais controversos da legislação sobre menores infratores prevê que, seja qual for o crime cometido, o culpado permanecerá interno na Febem por, no máximo, três anos ou até completar 21 anos. Essa restrição, acreditam alguns especialistas, é um estímulo à participação de jovens em quadrilhas de bandidos, além de, muitas vezes, servir à impunidade, pois as quadrilhas imputam a culpa de todos os seus crimes ao integrante menor de idade. Para o juiz Luiz Flávio Gomes, a redução da maioridade penal não seria problema se o infrator com menos de 18 anos recebesse uma pena diferente, não tão intensa quanto a de detentos comuns, e que a cumprisse longe dos demais presos. “Mas, se o colocarmos numa prisão, ele sairá um criminoso ainda mais violento do que entrou”, diz.

Para quem vê o tamanho da pena como um freio à criminalidade – seja pelo efeito de dissuasão, seja pelo tempo que mantém o criminoso fora de circulação –, é brando demais no Brasil o tratamento dado aos reincidentes e o regime de progressão de pena para criminosos violentos. Graças à progressão, mesmo condenados por homicídio, como vimos no caso da atriz global, cumprem parte da sentença em liberdade. Amilcar Navarro, da OAB, defende que, a exemplo do que acontece em outros países, sejam extintos os regimes aberto e semi-aberto para os autores de crimes violentos. Quanto aos reincidentes, a idéia é aplicar penas mais longas a cada novo delito, com perdas na possibilidade de progressão. Ou seja, quanto mais vezes o sujeito reincidir no crime, maior será sua pena e menor sua possibilidade de se beneficiar das facilidades da lei.

Só assim, defende o promotor da Matta, seria possível interromper a “porta giratória da Justiça”, mecanismo pelo qual o condenado por um crime grave fica preso por pouco tempo para em seguida voltar às ruas e tornar a delinqüir.

O que precisa ser feito

• Tirar os presos condenados das delegacias.

• Corrigir as distorções do Código Penal que prevêem penas mais severaspara crimes contra o patrimônio do que para crimes contra a vida.

• Rever o regime de progressão penal (que dá à maioria dos condenados direito à liberdade depois de cumprido um sexto da pena, para quem comete crimes violentos).

• Agravar as penas para criminosos violentos reincidentes.

• Criar leis contra crimes específicos, como delitos cometidos pela internet e crime organizado.

• Agravar as penas para o crime organizado.

• Modificar a lei para evitar que menores de 18 anos reincidentes em crimes violentos livrem-se da pena até os 21 anos.


Linha do tempo


1603

Surge o primeiro Código Penal, ainda no Brasil Colonial, batizado de Livro V das Ordenações do Rei Felipe II. Fundamentado em preceitos religiosos, o crime confundia-se com o pecado e com a ofensa moral. As penas eram cruéis, desproporcionais e severas.



1830

Fica pronto o Código Criminal do Império, a legislação penal prevista pela Constituição de 1824. Apesar da tendência liberal, previa a pena de morte.



1890

Com a instauração da República, é editado um novo Código Penal. Entre outras coisas, ele abole a pena capital e cria o regime penitenciário de caráter correcional.



1890 a 1932

Feito a toque de caixa, o estatuto penal dos republicanos deixa muitas lacunas. Na tentativa de torná-lo mais eficiente, são criadas inúmeras leis. O código parece uma colcha de retalhos.



1932

No início da Era Vargas, é editada a Consolidação das Leis Penais de Piragibe, para agrupar todas as emendas feitas ao Código Penal nos 40 anos anteriores. Composta de quatro livros e 410 artigos, vigorou até 1940.



1940

É promulgado o Código Penal, que só entra em vigor em 1942, junto com o Código de Processo Penal. Considerado uma legislação eclética, teve inspiração nos códigos da Itália e da Suíça.



1941

Edição do Código de Processo Penal, que trata do rito do Judiciário, da investigação criminal ao julgamento. Considerado falho por muitos, ainda está em vigor.



1969

Durante a vigência do regime militar, houve várias tentativas de reforma da legislação penal brasileira. É aprovado um anteprojeto elaborado pelo ministro Nélson Hungria. Alvo de severas críticas, acabou sendo revogado em 1978.



1984

O Código Penal de 1940 sofre sua primeira grande reformulação, com a alteração de sua Parte Geral, na qual encontram-se as regras básicas que orientam a interpretação e a aplicação da Parte Especial, que prevê os crimes e as penas.



1984

Entre as mudanças, uma sobressai: a criação da Lei de Execução Penal, que prevê a forma de cumprimento da sentença. Considerada muito frouxa por alguns juristas, é ela que permite o abrandamento das sentenças depois de cumprida parte da pena.



1998

É criada a Lei de Crimes Hediondos, que prevê penas mais duras para criminosos violentos.



2001

Na tentativa de desburocratizar o rito da Justiça e agilizá-la, são encaminhados ao Congresso Nacional oito projetos de lei para reformar o Código de Processo Penal. As propostas devem ser votadas este ano.



2002

Uma onda de violência mobiliza o Congresso para discutir, em caráter de emergência, um pacote de leis para combater o crime. Entre elas, figuram propostas relacionadas à redução da maioridade penal, criação de penas alternativas e tipificação de crimes hediondos.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

ORDEM DO PIRATINI É EVITAR CONFRONTO




ZERO HORA 01 de fevereiro de 2014 | N° 17691


PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA



Só quem não conhece o pensamento político do governador Tarso Genro pode achar que a decisão de não usar a Brigada Militar para desmanchar piquetes em frente às empresas de ônibus seja influenciada por suas divergências (notórias) com o prefeito José Fortunati. Tarso ignorou o pedido de Fortunati porque é contra o uso da força em manifestações de movimentos sociais, mesmo no caso de uma greve que deixou milhares de trabalhadores sem ônibus.

Tarso não se incomoda com as críticas de quem acha que a Brigada Militar deveria ter dispersado os piquetes e garantido a saída dos ônibus das garagens. Jamais ele correria o risco de colocar a BM em confronto com motoristas e cobradores de ônibus, havendo possibilidade de alguém sair ferido. A orientação dada desde o início da greve é de observar as manifestações em frente às garagens e só agir se for para garantir a segurança de motoristas e passageiros.

Ao dizer que a Brigada só agirá por determinação da Justiça, Tarso ignorou as cobranças de Fortunati, feitas pelo Twitter, e as críticas dos que o acusam de engessar a BM e de avalizar o descumprimento de uma ordem judicial. Jamais passou pela cabeça de alguém do governo aceitar a sugestão do prefeito de colocar brigadianos para dirigir ônibus no lugar dos grevistas.

A política adotada na greve dos ônibus é a mesma dos protestos de junho, criticada por quem não entendia a passividade dos policiais, enquanto os vândalos incendiavam lixeiras e depredavam bancos e lojas. No entendimento do governo, os prejuízos materiais são secundários. A ordem é fazer tudo o que for possível para preservar vidas. Nos protestos de junho, o grande medo de Tarso era de que tivesse um cadáver para carregar pelo resto da vida.

Entre ser criticado pelos adversários e perder apoio nos movimentos sociais, o Piratini prefere a primeira alternativa. O secretário da Segurança, Airton Michels, verbalizou o pensamento do governo: negociação de dissídio é problema dos rodoviários e das empresas. E o transporte tem de ser garantido pela negociação e não pelo cassetete.