domingo, 30 de junho de 2013

A REJEIÇÃO DA PEC 37


O Estado de S.Paulo 30 de junho de 2013 | 2h 10

OPINIÃO


O Executivo e o Legislativo estão dando respostas irrefletidas a algumas das reivindicações levadas às ruas pelas manifestações dos últimos dias. A rejeição da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 37, pela Câmara dos Deputados, é exemplo disso. Até o início das manifestações, a aprovação dessa PEC - que proibia explicitamente o Ministério Público (MP) de realizar investigações criminais e executar diligências, reforçando a competência exclusiva das polícias judiciárias - era dada como certa. Para tentar aplacar os protestos, a Câmara mudou de entendimento e derrubou a PEC por 430 votos contra 9. A Mesa da Câmara chegou a anunciar que a votação seria adiada para agosto, mas o presidente Henrique Alves (PMDB-RN) voltou atrás, fazendo um apelo pela rejeição, alegando que "o povo brasileiro quer cada vez mais combate à corrupção".

No plano político, a decisão primou pelo oportunismo. No plano técnico, ela terá efeitos desastrosos. Alegando que os promotores e procuradores têm exorbitado de suas competências, os delegados das Polícias Civil e Federal argumentavam que a PEC 37 redefinia as competências das duas categorias, evitando conflitos funcionais. Temendo perder poder e prestígio institucional, os MPs federal e estaduais alegaram que a aprovação da PEC 37 comprometeria a autonomia da instituição, impedindo-a de "combater a impunidade". O lobby dos promotores foi mais forte que o dos delegados e o marketing político prevaleceu sobre a racionalidade jurídica.

Essa disputa corporativa dura 25 anos. Ela começou quando promotores e procuradores, depois de terem pressionado a Assembleia Constituinte a definir o MP como "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado", incumbida "da defesa da ordem jurídica e do regime democrático", passaram a se comportar como se pertencessem a um Poder tão autônomo e soberano quanto o Judiciário, o Executivo e o Legislativo. Sentindo-se independentes, muitos promotores colocaram suas prerrogativas a serviço de ideologias, partidos e movimentos sociais. Vários macularam a imagem de governantes e promoveram perseguições políticas, com base em denúncias infundadas. E alguns até chegaram a usar suas prerrogativas para pressionar o Executivo a formular políticas públicas, como se tivessem mandato parlamentar.

A PEC 37 foi uma reação das Polícias Civil e Federal contra esses abusos. E, ao contrário do que dizem promotores e procuradores, ela apenas estabelecia de forma mais precisa o que já consta da Constituição. Embora atribua competências específicas ao MP, como patrocinar com exclusividade ações penais públicas, impetrar ação civil pública e exercer o controle externo, a Constituição não faz menção às prerrogativas dos promotores e procuradores em matéria de investigação criminal. Invocando a tese de que quem pode o mais também pode o menos, a categoria alegou que, se tem exclusividade na proposição de ações penais públicas, implicitamente detém competência para fazer investigações criminais.

A interpretação é enviesada. Se a Assembleia Constituinte não incluiu a investigação criminal na lista de competências específicas do MP, enunciada pelo artigo 129, é porque não quis dar ao MP uma força institucional que pusesse em risco as garantias processuais dos cidadãos. Afinal, o MP é parte nas ações judiciais. Por isso, não faz sentido que, nos inquéritos criminais, os promotores e procuradores sejam simultaneamente acusadores e condutores da investigação. Isso desequilibra o devido processo legal, na medida em que a outra parte - a defesa - não pode investigar nem promover diligências. Além do mais, a Constituição é clara ao afirmar que cabe às Polícias Civil e Federal exercer a função de polícia judiciária - e, por tabela, presidir inquéritos criminais.

Como se vê, a PEC 37 em nada impediria o MP de coibir a corrupção e a impunidade. A emenda foi rejeitada porque, assustados com os protestos em todo o País, os parlamentares estão agindo precipitadamente para dar respostas ao clamor das ruas.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

O PODER DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O SUL, 27/06/2013


"Daqui pra frente, tudo vai ser diferente." Roberto Carlos


Numa multidão em que, mesmo desconsiderando a infiltração de vândalos e quadrilheiros profissionais, havia cartazes como "fora Collor", "fora Galvão", "pela legalidade", "maconha já" e disparates outros em profusão, não é difícil apurar que, em maioria, tais manifestantes não conheciam, não conhecem nem a eles interessa conhecer em detalhes a importância da nati-morta PEC 37. Por ouvir dizer, eles tomaram conhecimento de que os membros do MP (Ministério Público) estão liberados para investigar contravenções e atos criminosos, em todos os níveis, da sarjeta aos poderes da República, com tantos e até maiores poderes do que as organizações policiais.

De minha torre, ao ouvir meus conselheiros, sem deslumbramento e com máxima seriedade, acredito que, como há alguns anos cimentou o rei Roberto Carlos, "daqui pra frente, tudo vai ser diferente". 

Os homicídios não esclarecidos, os assaltos misteriosos, os furtos e roubos de carros e de cargas, os tráficos de armas e drogas, passam a ser atividades a serem contidas pela inteligência composta pelos homens e mulheres do Ministério Público que estarão na linha de frente das investigações. 

A partir de agora, o MP, como fiscal da lei, investiga, acusa, prende e apreende. Sob a filosofia da minha torre, quem fiscaliza, investiga, acusa, prende e apreende, também julga. Tal poder nem precisa de lambuja.



ZERO HORA 27 de junho de 2013 | N° 17474


INFORME ESPECIAL | TULIO MILMAN


Licitação


O inquérito civil do Ministério Público que investiga os contratos entre a prefeitura da Capital e as empresas de ônibus tramita desde 2003.

São 10 anos.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A queda da PEC 37 não quer dizer que tudo está bem e vai melhorar. O MP é importante no sistema de justiça criminal e pode melhorar desde que estruture equipes próprias, assuma o papel constitucional de corregedor e seja de fato independente,  ao invés de agir distante das ilicitudes, burocrata, moroso, conivente com as leis condescendentes, padrinho de uma justiça morosa e promovendo desvios de policiais militares para suas forças-tarefas corporativas e concorrentes à polícia civil. 

terça-feira, 25 de junho de 2013

A PEC QUE DIVIDE CORPORAÇÕES


ZERO HORA 25 de junho de 2013 | N° 17472

#COMOFAZ 4

ERIK FARINA

Iniciativa que opõe Ministério Público (MP) e polícias Civil e Federal, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37 tornou-se uma das bandeiras das manifestações. Polêmica desde que foi apresentada pelo deputado federal e delegado Lourival Mendes (PTdoB-MA), em junho de 2011, a PEC 37 garantiria às polícias a exclusividade de investigar crimes, retirando esse poder do MP.

Tecnicamente, a PEC aproveita uma brecha do artigo 144 da Constituição de 1988 sobre o poder de investigação do Ministério Público. A Carta diz que o MP pode requisitar investigação, mas não explicita se o órgão pode realizar tal tarefa.

– Não há clareza na norma constitucional, mas, muitas vezes, há o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) de que o MP tem poder de investigar, e o próprio MP interpreta assim a Constituição – explica o jurista e advogado Marco Aurélio Moreira de Oliveira.

Essa lacuna constitucional tem sido usada por investigados para questionar o poder do MP. No ano passado, no julgamento dos suspeitos de participar do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou pedidos da defesa preliminar de advogados que argumentavam que a investigação do MP não era legal.

As discussões da PEC 37 passaram a ser consideradas por especialistas como corporativistas ou escudo para políticos que, em algum momento, foram acusados de crime pelo MP. As investigações mais notórias são, além do mensalão, o assassinato do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, e o desvio de verbas no Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo, quando se conheceu personagens como o juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau.

– O MP está pagando pelos acertos. Os grandes casos que investigou deixaram inimigos, que estão pressionando pela aprovação da PEC 37. Já os policiais querem a aprovação para que sejam valorizados em termos de salário – analisa Lenio Luiz Streck, procurador de Justiça do Estado e professor de Direito Constitucional da Unisinos.

Streck argumenta que, em países como Alemanha, Estados Unidos, Espanha e Portugal, o MP não apenas tem autorização para investigar, como é estimulado a tomar para si esse papel, por atuar como órgão independente.

Entidades que representam os delegados de polícia favoráveis à PEC 37 defendem debate para se buscar consenso sobre o tema. Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), argumenta que a proposta de emenda constitucional permitiria um trabalho mais estreito entre polícia e MP, tornando o combate ao crime mais eficiente. De acordo com Ribeiro, a polícia tem sido desvalorizada e desmotivada a investigar os crimes.

– O Congresso se sente pressionado por uma onda de desinformação e demagogia que tomou conta do país e quer a rejeição da PEC 37. Queremos que a pauta seja tratada com calma, tempo e esclarecimento. A sociedade quer polícia e MP trabalhando juntos – afirma Ribeiro.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também aprova a ideia da PEC 37, embora tenha sugerido alterações favoráveis a advogados.



Votação foi adiada para julho

As manifestações no país trouxeram a primeira consequência à tramitação da PEC 37. Na semana passada, o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), adiou a votação do projeto – e estaria disposto a remarcá-la para a primeira semana de julho. A avaliação política é que a proposta, que chegou a ter apoio de grandes partidos, possa ser rejeitada.

Para que entre em vigor, o projeto precisa ser aprovado por três quintos do Congresso e do Senado em duas rodadas de votação em cada casa. A promulgação caberá ao presidente do Congresso, e a presidente Dilma Rousseff não teria poder de veto, segundo o especialista em Direito Constitucional Lenio Luiz Streck.

O interesse dos procuradores é que o projeto seja votado imediatamente, aproveitando o clima de rejeição à PEC 37 das últimas semanas.

– Temos recebido o apoio de deputados e senadores a cada dia. Esse é o momento para a PEC ir à votação – afirma o procurador da república Alan Mansur, diretor de comunicação da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR).

Conforme Mansur, atualmente há 37 mil investigações em curso, capitaneadas por procuradores da república, que seriam paralisadas se a lei fosse aprovada.

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) afirma que as investigações do MP podem estar sendo realizadas paralelamente a investigações policiais. Além do conflito de tarefas, a ADPF entende que a falta de comunicação entre os investigadores possa gerar como consequência o favorecimento da impunidade.


RESPOSTA RÁPIDA

O que poderia ser feito para atender à demanda das ruas?

1. Parlamentares contrários à PEC 37 poderiam pressionar os colegas para votar imediatamente a proposta, aproveitando o ambiente de rejeição.

2. A presidente Dilma Rousseff pode pressionar o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, a retirar o projeto da pauta de votações, para ser reavaliado pelas comissões.

3. Uma nova Proposta de Emenda Constitucional pode regulamentar a investigação por parte do Ministério Público, eliminando a brecha do artigo 144 da Constituição.

sábado, 22 de junho de 2013

O PAPEL DA POLÍCIA NÃO É O DE PUNIR E SIM O DE DETER

G1 21/06/2013 17h58

'O papel da polícia não é o de punir e sim o de deter', avalia advogado. Manifestação no Rio de Janeiro, quinta-feira (20), terminou com confrontos. O advogado Breno Melaragno questionou alguns aspectos da ação policial.




Manifestações pelo Brasil reuniram na última quinta-feira (20) 1,2 milhões de pessoas. O advogado Breno Melaragno, da Comissão de Segurança da OAB-RJ, esteve nas manifestações não apenas como cidadão, mas cumprindo também um papel institucional, por decisão da direção da Ordem dos Advogados, de garantir a livre manifestação. "Nós ficamos entre o batalhão de choque e o final da passeata. A postura da OAB é em defesa da democracia, das instituições democráticas e da livre manifestação do cidadão", explica Melaragno.

O advogado avalia que a manifestação de segunda-feira (17) foi positiva, mas que problemas marcaram o fim da passeata de quinta-feira (20). "Ontem, infelizmente a gente tem relatos de fatos que não são positivos, talvez criminosos, em que a polícia teria empreendido perseguição a pessoas que não seriam necessariamente vândalos. Nós estamos apurando para atuar nesse sentido, sempre na garantia da livre manifestação", contou o advogado.

A postura policial foi analisada pelo advogado. De acordo com Melaragno, o papel da polícia em uma situação assim não deveria ser o de punir. "A polícia serve para fazer cessar a prática criminosa. O policial que toma uma atitude de punição deveria ser treinado para não agir assim e sim simplesmente deter o sujeito, para impedir a continuidade da prática criminosa. E muito menos o policial confundir quem está cometendo o crime com quem não está", avalia o advogado.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA -Com certeza, mas onde estão os outros para denunciar, processar, julgar e colocar na cadeia os vândalos e criminosos que afrontam as leis, as autoridades, o patrimônio público e privado, a vida das pessoas e uma causa justa e pacífica?!?!?

segunda-feira, 17 de junho de 2013

APENAS 8% DOS INQUÉRITOS POLICIAIS DA PF VIRAM DENÚNCIAS DO MP

SINPEF RS

Postado em 17/06/2013.


Nos anos de 2010, 2011 e 2012, a Polícia Federal remeteu ao Ministério Público Federal 211.834 inquéritos criminais. Desse total apenas 17.744 (8,3%) resultaram em denúncias encaminhadas ao Judiciário por procuradores da República contra os investigados. Por falta de provas ou inconsistências variadas, desceram ao arquivo 41.530 (19,6%) inquéritos. Outros 1.449 (0,68%) converteram-se em propostas de acordo, chamadas tecnicamente de ‘transações penais’.

As informações constam de planilhas extraídas de um banco de dados da Procuradoria da República. Chama-se “Sistema Único”. Registra o vaivém das investigações criminais. Uma movimentação que desperta especial interesse nesse instante em que a Câmara está prestes a votar a PEC 37, proposta de emenda constitucional que retira do Ministério Público o poder de realizar investigações criminais, restringindo a tarefa às polícias federal e civil.

Cruzando-se os números oficiais do Ministério Público Federal, verifica-se que, nos últimos três anos, a grossa maioria dos inquéritos –151.111 (71,3% do total)— foi mantida em aberto. Esses inquéritos são lançados nas planilhas eletrônicas da Procuradoria numa coluna chamada “dilação de prazo”. Os prazos dos inquéritos são dilatados em duas circunstâncias.

Numa, os próprios delegados federais pedem a prorrogação dos prazos ao Ministério Público. Noutra, os procuradores requisitam à PF a realização de diligências complementares. Nas duas hipóteses, os inquéritos são devolvidos pela Procuradoria à polícia. Nesse ponto, o banco de dados revela uma excentricidade.

Entre janeiro de 2010 e dezembro de 2012, tiveram seus prazos esticados 301.360 inquéritos. O número é praticamente o dobro dos 151.111 inquéritos que não resultaram em denúncia nem foram arquivados. Supera até mesmo a soma total dos 211.834 processos enviados pela PF à Procuradoria. Por quê? Simples: alguns dos inquéritos foram prorrogados mais de uma vez.

Na queda de braço que travam com a Procuradoria, os delegados costumam perguntar: por que diabos o Ministério Público Federal quer realizar investigações próprias se não consegue nem dar vazão aos inquéritos que recebe da PF? Escorados nos dados expostos em suas planilhas, os procuradores sustentam que o argumento é falacioso.

Coordenador do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal em Goiás, o procurador Helio Telho afirma: “Os dados indicam que a polícia não vem conseguindo concluir as investigações no prazo legal. Os inquéritos costumam ser prorrogados por períodos superiores a 30 dias –às vezes 90 dias, 120 dias, até 180 dias. Ainda assim, há casos em que a apuração não é concluída. O que impede o Ministério Público de dar destinação aos inquéritos, denunciando ou arquivando.”

A PEC 37 vai a voto na Câmara na quarta-feira (26) da semana que vem. Tenta-se chegar a uma fórmula que concilie os interesses das polícias e do Ministério Público. A chance de acordo é remota. Contra esse pano de fundo conturbado, as planilhas do “Sistema Único” informam que há coisas mais urgentes a fazer do que brigar por poder. A coluna dos inquéritos com “dilação de prazo” (301.360) é 16,9 vezes maior do que a coluna das denúncias (17.744). Corresponde a 7,2 vezes a coluna dos arquivamentos (41.530).

Fonte: Blog do Josias

sexta-feira, 14 de junho de 2013

SUICÍDIO OU HOMICÍDIO

ZERO HORA 14 de junho de 2013 | N° 17462

Família de professora pede reavaliação de inquérito. Após MP ter descartado assassinato, polícia reabriu caso na Serra por acreditar que mulher não se matou

JOSÉ LUÍS COSTA

Uma história envolvendo família, herança e morte intriga há mais de dois anos São Francisco de Paula, na serra gaúcha. Um caso tratado como homicídio pela polícia foi arquivado como suicídio a pedido do Ministério Público (MP), mas agora pode sofrer uma reviravolta. A investigação policial foi reaberta com base em novos testemunhos, e a Justiça analisa um pedido da família da vítima para que a cúpula do MP examine o inquérito novamente.

Oepisódio controverso teve início no entardecer de 21 de fevereiro de 2011. Naquela segunda-feira de Carnaval, a professora Cleusa Borges do Amaral, 46 anos, foi atingida com três tiros de revólver calibre 38 no pátio de casa, no bairro Campo do Meio, área central do município.

Depois de mais de um ano de investigações, interrogatórios e uma reconstituição, o marido de Cleusa, o comerciante Mário Luiz Benetti, 50 anos, foi indiciado pela Polícia Civil como autor de um homicídio. Ele era o dono da arma, a única pessoa na casa, o primeiro a encontrar a vítima e apresentou uma versão considerada improvável pela polícia.

Uma suspeita contra Benetti está baseada na necropsia do Instituto-geral de Perícias (IGP). O laudo apontou dois ferimentos no mamilo esquerdo e outro na região umbilical de Cleusa. Os tiros teriam sido dados da direita para a esquerda, de cima para baixo, e à distância. Ao depor três dias depois da morte, Benetti disse ter encontrado a mulher ferida com o revólver na mão esquerda. Ela era destra.

A conclusão da polícia chocou a comunidade de 20,5 mil habitantes. O casal era conhecido na cidade. Cleusa era herdeira de terras na região, e Benetti, dono de uma churrascaria. Viveram amigavelmente durante 13 anos, e em 2009, iniciaram um processo de adoção – em andamento – de uma criança que passou a morar com eles. A morte de Cleusa tornaria a menina, hoje com cinco anos, herdeira dos bens de Cleusa.

– A maneira como o corpo foi localizado e o número de tiros me fez acreditar que ela não poderia ter atirado. Suicídio com três tiros de revólver é muito raro, ainda mais envolvendo uma mulher. É um caso muito peculiar – afirmou o delegado Daniel Reschke, responsável pela investigação.

Mas, em junho de 2012, o MP pediu arquivamento do inquérito por acreditar em suicídio, levando em consideração um item do laudo que informa a possibilidade de Cleusa ter se matado com mais de um tiro porque os primeiros disparos não teriam sido letais.

Recentemente, comentários na cidade de que, no dia da morte, Cleusa teria sido vista se escondendo de alguém antes de ser baleada levantaram novas suspeitas. No começo do ano, com base nesses relato, o delegado obteve autorização judicial para novas investigações. Foram interrogadas quatro pessoas. E um dos depoimentos suscitou ainda mais dúvidas.

Mais uma vez, MP pede o arquivamento do caso


Em três declarações controvertidas e confusas, uma vizinha de Cleusa revelou que teria escutado, no dia da morte, uma voz feminina gritando por socorro e que iria chamar a polícia. A testemunha não soube precisar se ouviu tiros antes ou depois do apelo. No mês passado, o MP voltou a se manifestar pelo arquivamento do caso, desacreditando as novas versões e baseado nos mesmos argumentos do primeiro pedido de arquivamento. Procurado por ZH, o promotor Bruno Pereira Pereira evitou falar.

A família de Cleusa, por meio do advogado Ricardo Cunha Martins, pediu ao juiz Carlos Eduardo Lima Pinto, da Vara Judicial de São Francisco de Paula, que reavalie o caso e remeta o inquérito à Procuradoria-geral de Justiça – para eventual oferecimento de denúncia contra Benetti por homicídio.





segunda-feira, 10 de junho de 2013

CRIME E CASTIGO



REVISTA VEJA, Edição 2123 / 29 de julho de 2009


Lya Luft


"Estamos levando na brincadeira a questão
do erro e do castigo, ou do crime e da punição.
Sem limites em casa e sem punição de crimes
fora dela, nada vai melhorar"


Tomo emprestado o título do romance do russo Dostoiévski, para comentar a multiplicação dos crimes nesta cultura torta, desde os pequenos "crimes" cotidianos – falta de respeito entre pais e filhos, maus-tratos a empregados, comportamento impensável de políticos e líderes, descuido com nossa saúde, segurança, educação – até os verdadeiros crimes: roubos, assaltos, assassinatos, tão incrivelmente banalizados nesta sociedade enferma. A crise de autoridade começa em casa, quando temos medo de dar ordens e limites ou mesmo castigos aos filhos, iludidos por uma série de psicologismos falsos que pululam como receitas de revista ou programa matinal de televisão e que também invadiram parte das escolas. Crianças e adolescentes saudáveis são tratados a mamadeira e cachorro-quente por pais desorientados e receosos de exercer qualquer comando. Jovens infratores são tratados como imbecis, embora espertos, e como inocentes, mesmo que perversos estupradores, frios assassinos, traficantes e ladrões comuns. São encaminhados para os chamados centros de ressocialização, onde nada aprendem de bom, mas muito de ruim, e logo voltam às ruas para continuar seus crimes.

Ilustração Atômica Studio



Estamos levando na brincadeira a questão do erro e do castigo, ou do crime e da punição. A banalização da má-educação em casa e na escola, e do crime fora delas, é espantosa e tem consequências dramáticas que hoje não conseguimos mais avaliar. Sem limites em casa e sem punição de crimes fora dela, nada vai melhorar. Antes de mais nada, é dever mudar as leis – e não é possível que não se possa mudar uma lei, duas leis, muitas leis. Hoje, logo, agora! O ensino nas últimas décadas foi piorando, em parte pelo desinteresse dos governos e pelo péssimo incentivo aos professores, que ganham menos do que uma empregada doméstica, em parte como resultado de "diretrizes de ensino" que tornaram tudo confuso, experimental, com alunos servindo de cobaias, professores lotados de teorias (que também não funcionam).

Além disso, aqui e ali grupos de ditos mestres passaram a se interessar mais por politicagem e ideologia do que pelo bem dos alunos e da própria classe. Não admira que em alguns lugares o respeito tenha sumido, os alunos considerem com desdém ou indignação a figura do antigo mestre e ainda por cima vivam, em muitas famílias, a dor da falta de pais: em lugar deles, como disse um jovem psicólogo, eles têm em casa um gatão e uma gatinha. Dispensam-se comentários.

Autoridade, onde existe, é considerada atrasada, antiquada e chata. Se nas famílias e escolas isso é um problema, na sociedade, com nossas leis falhas, sem rigor nem coerência, isso se torna uma tragédia. Não me falem em policiais corruptos, pois a maioria imensa deles é honrada, ganha vergonhosamente pouco, arrisca e perde a vida, e pouco ligamos para isso. Eu penso em leis ruins e em prisões lotadas de gente em condições animalescas. Nesta nossa cultura do absurdo, crimes pequenos levam seus autores a passar anos num desses lixões de gente chamados cadeias (muitas vezes sem sequer ter havido ainda julgamento e condenação), enquanto bandidos perigosos entram por uma porta de cadeia e saem pela outra, para voltar a cometer seus crimes, ou gozam na cadeia de um conforto que nem avaliamos.

Precisamos de punições justas, autoridade vigilante, uma reforma geral das leis para impedir perversidade ou leniência, jovens criminosos julgados como criminosos, não como crianças malcriadas. Ensino, educação e justiça tornaram-se tão ruins, tudo isso agravado pelo delírio das drogas fomentado por traficantes ou por irresponsáveis que as usam como diversão ou alívio momentâneo, que passamos a aceitar tudo como normal: "É assim mesmo". Muito crime, pouco castigo, castigo excessivo ou brando demais, leis antiquadas ou insuficientes, e chegamos aonde chegamos: os cidadãos reféns dentro de casa ou ratos assustados nas ruas, a bandidagem no controle; pais com medo dos filhos, professores insultados pela meninada sem educação. Seria de rir, se não fosse de chorar.