segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

DNA DE CRIMINOSOS

FOLHA.COM 23/12/2013 - 03h00


Sérgio Fernando Moro


A partir da década de 90, aprofundou-se a utilização de testes genéticos na investigação criminal. Resíduos biológicos encontrados nas cenas dos crimes passaram a ser recolhidos e examinados, deles extraindo-se o perfil genético do titular, com o propósito de comparação com os dos suspeitos, servindo tanto para exonerar os inocentes como para descobrir os culpados.

Principalmente nos Estados Unidos e no Reino Unido, os perfis genéticos passaram a compor bancos de dados de caráter amplo e que puderam, em novos casos, ser acessados por investigadores para o cruzamento com o perfil genético do material identificado no local do crime, propiciando a identificação de autores de delitos de difícil elucidação.

Investigações encerradas sem culpados puderam ser reabertas, muitas vezes levando à identificação do criminoso pela localização do perfil no banco de dados.

Um subproduto interessante dessa prática consistiu na revisão de penas antigas, com exoneração de pessoas condenadas por erro judiciário. O "projeto inocência" desenvolvido nos Estados Unidos a partir de 1992 por organização não governamental levou à exoneração de cerca de 300 pessoas condenadas erroneamente, 18 das quais encontravam-se no corredor da morte.

No Brasil, ainda não há nada semelhante nessa escala. A recente lei nº 12.654/2012 permitiu a colheita do perfil genético de criminosos condenados e de suspeitos para a formação de bancos de dados.

Apesar da autorização legislativa, faz-se necessária, como foi feito nos países anglo-saxões, a adoção de uma prática jurídica e de política pública ampla para a colheita do perfil genético. Para tanto, iniciativas individuais são bem-vindas.

Em processos envolvendo crimes violentos ou sexuais, deve a autoridade policial providenciar a conservação do resíduo biológico encontrado no local do crime e requerer, em conjunto com o Ministério Público, ao juiz que autorize a extração de material biológico do suspeito. Identificados os respectivos perfis genéticos, devem eles ser comparados e, independentemente do caso individual, integrados aos bancos de dados estadual ou nacional.

Nas Varas de Execuções Penais, pode o juiz, provocado pela administração penitenciária ou pelo Ministério Público, autorizar a extração do perfil genético de pessoas condenadas por crimes violentos ou sexuais, para integração ao banco de dados estadual ou nacional.

A lei nº 12.654/2012 já permite tais práticas. Ilustrativamente, o autor deste artigo tem determinado, em processos envolvendo crimes de pedofilia, a extração do perfil genético do suspeito para integração ao banco de dados nacional.

Para a formação de bancos de dados abrangentes, faz-se necessário, porém, colher os perfis genéticos em ampla escala, especialmente dos condenados por crimes violentos ou sexuais. Há custos consideráveis e seria oportuno que iniciativa da espécie transcendesse aos casos individuais e fosse proveniente do Poder Executivo –por exemplo, das Secretarias de Segurança Pública ou do Ministério da Justiça.

Recentemente, a presidente da República indignou-se, com razão, com o aumento dos crimes de estupro. Da indignação poderia decorrer uma ação enérgica do Executivo para a formação do banco de dados, já que ele é uma ferramenta efetiva contra essa espécie de crime.

O Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público também poderiam atuar como agentes provocadores dessa política de segurança pública.

Práticas ou políticas da espécie, desde que generalizadas, levariam à formação de bancos de dados de perfis genéticos abrangentes, aumentando o índice de solução dos casos criminais, diminuindo a impunidade e as chances de erros judiciários. Não pode o Brasil perder essa oportunidade para a modernização da investigação criminal.



SERGIO FERNANDO MORO, 41, é juiz federal em Curitiba e doutor em direito pela Universidade Federal do Paraná

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quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

RIO APROVA AUMENTO DO AUXILIO MORADIA PARA TJ E MP


Alerj aprova aumento do auxílio moradia para TJ e MP. Valor pode atingir R$ 4,7 mil, causando impacto milionário nas contas públicas

O GLOBO
Atualizado:18/12/13 - 22h32


Deputados aprovaram o pedido feito pelo MP e pelo TJ - Agência O Globo / Simone Marinho


RIO - A Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) aprovou nesta quarta-feira, em discussão única, os projetos de lei complementar 34/13 e o projeto de lei 2.683/13, que tratam do auxílio moradia Ministério Público e do Tribunal de Justiça do estado. Em ambos os casos, o benefício será de até 18% do subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal, podendo atingir até R$ 4,7 mil para cada magistrado, promotor e procurador.

Caso o valor máximo seja concedido a todos os 841 magistrados do TJ, o custo aos cofres públicos ficará em R$ 46 milhões. Dados passados ao deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) mostram que, no caso do MP, o gasto anual com o benefício passaria do atual R$ 1,1 milhão para R$ 7,1 milhões no ano que vem.

Os critérios para conceder o benefício ainda serão estabelecidos em regulamentação. As diretrizes definirão os valores a serem concedidos em cada caso, a partir do uso de critérios como o valor dos aluguéis em cada local. A Alerj incluiu emendas em ambos os textos. Segundo a Casa, elas obrigam o envio à Alerj da regulamentação, em até 30 dias após publicada e vedam a retroatividade do beneficio.

A proposta altera a proporção do auxílio dos atuais 10% do vencimento do procurador-geral para 18% do teto nacional. A Alerj retirou do texto do MP a gratificação por atuação em local de difícil provimento, para garantir isonomia entre os dois projetos. Os textos ainda precisam ser sancionados pelo governador Sérgio Cabral.

A primeira leva de discussões foi acompanhada no plenário pelo procurador-geral de Justiça, Marfan Vieira, que destacou que o projeto foi aprovado pelo Órgão Especial do Colégio de Procuradores do MP. Já o procurador-geral da Alerj, Hariman Dias de Araújo, lembrou que o benefício já é pago em tribunais de justiça de outros 20 estados, além do próprio STF.

Executivo também tem aumento

O Executivo, por sua vez, teve aumento no salário. O reajuste foi de 5,8% e vem por conta da elevação no salário do governador. De acordo com a proposta da Comissão de Orçamento, Fiscalização Financeira e Controle da Alerj, o vencimento do governador vai de R$ 20,6 mil para R$ 21,8 mil por mês.

A mudança acarreta igual reajuste no teto do funcionalismo do Executivo, beneficiando integrantes de postos de coronel da polícia e auditores fiscais, por exemplo. O vice-governador receberá, em 2014, R$ 18,4 mil, assim como os secretários. Já os subsecretários receberão R$ 16,5 mil.

CÓDIGO PENAL DE 1940 COMEÇA A SER ATUALIZADO


JORNAL DO COMÉRCIO 19/12/2013


EDITORIAL


Comissão especial do Senado aprovou proposta de reforma do Código Penal. O texto prevê punições mais rigorosas para crimes contra a vida, como aumento de pena e maior tempo para um condenado ter direito à progressão de regime por homicídio. O texto inclui novos crimes ao Código, como em relação a caixa-2, enriquecimento ilícito de servidores públicos, terrorismo e maus-tratos a animais. Os senadores decidiram não mexer em legislações referentes ao aborto e à homofobia. Se passar, em 2014, a reforma do Código, que está em vigor há 73 anos, vai para análise da Câmara dos Deputados. Só isso diz bem do anacronismo que impera na aplicação das leis em um mundo, literal e virtualmente, mudado há três décadas, no mínimo. Sabemos que pesquisas confirmaram uma obviedade, ou seja, a população quer um Judiciário que atue mais rapidamente. Não se pode esquecer que a pressa é inimiga da perfeição, mas a demora pode se tornar uma injustiça. É que cessa a prudência jurídica quando nos falta a paciência. Os atuais juízes aplicam a lei, mas não podem mudá-la ao seu bel-prazer, devem se ater ao que os códigos mandam. Aliás, esta é uma posição e um esclarecimento recorrente nos tribunais, o fato de que se reclama das penas, liberdades, indultos e tudo o mais que incomoda quando, de fato, é apenas o que está escrito. Logo, cabe é aos legisladores alterar o que vem sendo aplicado.

Agilizar, enxugar recursos, instâncias e tirar o pó que anula muito do trabalho da Justiça é tarefa do Legislativo. O direito é o reflexo dos usos e costumes da sociedade, e cabe ao Congresso normatizar o que os juízes aplicarão logo adiante, de acordo com o Brasil atual. No caso de homicídios, a pena mínima subiu de seis para oito anos de prisão - a máxima permaneceu em 20 anos. A progressão de regime, para quem for condenado por esse tipo de crime, também ficou mais demorada: no caso de um réu primário, a pessoa terá de passar um quarto do período para poder progredir de regime, e não mais um sexto. Também foi tipificado o crime de doação eleitoral ilegal, prevista em legislações específicas. A pena é de dois a cinco anos de prisão para quem fizer caixa-2. Foi tipificado o crime de enriquecimento ilícito de servidores públicos, também com pena de dois a cinco anos de prisão mais a possibilidade de perda dos bens obtidos de maneira ilícita.

Quanto ao aborto, foi mantido o que consta no Código Penal de 1940, isto é, que só pode ocorrer caso a gravidez ofereça risco à vida da mãe ou se resultar de estupro. Porém, foi incorporada ao projeto a decisão do Supremo Tribunal Federal que, em abril do ano passado, liberou o aborto de fetos anencéfalos. A interrupção da gravidez, que também vale para bebês que possuam anomalia que inviabilize a sobrevivência após o parto, deve ser atestada por dois médicos. A proposta também prevê a criminalização da homofobia, com pena de um ano a cinco anos de prisão. Dos 540 artigos do novo Código Penal, não passam de dez aqueles que suscitam maiores debates. A comissão incluiu a previsão de a corrupção ser crime hediondo. Claro, ainda não é um projeto ideal, mas, enquanto não se alcança o ideal, se faz o possível. É esse o caso.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

NOVO CÓDIGO PENAL ELEVA PRISÃO MÁXIMA DE 40 ANOS

ZERO HORA 18 de dezembro de 2013 | N° 17648

NOVO CÓDIGO PENAL

Projeto eleva para 40 anos o tempo máximo na prisão. 
Proposta que prevê penas mais duras para homicidas avança no Senado


Sem mexer em temas polêmicos, uma comissão especial do Senado aprovou ontem a proposta de reforma do Código Penal que prevê mais rigor para crimes contra a vida e eleva o tempo máximo na prisão. Conforme o texto, o limite de 30 anos continuaria em vigor no Brasil, mas com a ressalva de que, caso ocorra condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, o preso poderá ficar até 40 anos na cadeia.

O projeto dos senadores deixou de fora sugestões feitas por uma comissão de especialistas, que defendeu mudanças em pontos sensíveis da atual legislação, como a interrupção da gestação até a 12ª semana, quando a mãe “não tiver condições psicológicas ou físicas para a maternidade” e a autorização para plantio de drogas para uso próprio.

Para evitar que a proposta não avançasse na Casa e temendo a resistência de grupos religiosos, os parlamentares decidiram não mudar radicalmente as legislações referentes a aborto e entorpecentes.

A proposta precisa ainda ser aprovada pelo plenário do Senado – antes disso, pode passar pela Comissão de Constituição e Justiça, a depender de avaliação da Mesa Diretora. A previsão é de que a votação só ocorra em 2014. Se passar, a reforma do Código Penal, que está em vigor há 73 anos, vai para análise da Câmara dos Deputados.

Homofobia e terrorismo são incluídos como crimes


O projeto prevê punições mais rigorosas para crimes como homicídio doloso (quando há intenção de matar) e culposo (quando não há), com aumento de pena e maior tempo para um condenado ter direito à progressão de regime (veja quadro ao lado).

– Você não pode entender que um crime contra a pessoa é um crime simples. Temos uma preocupação com o sistema carcerário brasileiro, mas não podemos deixar de fazer leis duras porque o sistema carcerário é ruim – afirmou o presidente da comissão especial, Eunício Oliveira (PMDB-CE).

O texto inclui novos crimes ao código, como caixa 2, enriquecimento ilícito de servidores públicos, terrorismo, maus-tratos a animais e homofobia.

Segundo o relator, Pedro Taques (PDT-MT), dos 540 artigos do novo Código Penal, não passam de 10 aqueles que suscitam maiores debates.

– Não é o (projeto) ideal. Existem algumas modificações que ainda precisam e podem ser elaboradas no decorrer dos trabalhos e eu, como relator, não tenho verdade absoluta – destacou.

A comissão incluiu também a corrupção como crime hediondo. Isso significa que os condenados por esse delito vão demorar mais tempo para ter direito a progredir para um regime de cumprimento de pena menos rigoroso. Logo após o início das manifestações de rua de junho, o plenário do Senado aprovou uma proposta com esse teor, que, desde então, está na Câmara.


CRIMES E PUNIÇÕES

Veja alguns dos principais pontos da reforma do Código Penal

HOMICÍDIOS 
- A pena mínima para homicídio doloso (quando há intenção de matar) subiu de seis para oito anos de prisão – a máxima permaneceu em 20 anos. A progressão de regime, para quem for condenado por esse tipo de crime, também ficou mais demorada: no caso de réu primário, a pessoa terá de passar um quarto do período para poder progredir de regime e não mais um sexto, como atualmente. O homicídio culposo (sem intenção), com pena hoje de um a quatro anos de prisão, passaria a ser de dois a seis anos.

DROGAS - Continua sendo crime fazer uso dessas substâncias, mas não haverá pena de privação de liberdade. Caberá ao juiz da causa definir se a pessoa que porta a droga é um usuário ou um traficante, como ocorre atualmente.

CAIXA 2 - A comissão incluiu a tipificação do crime de doação eleitoral ilegal, prevista apenas em legislações específicas. Pena de dois a cinco anos de prisão.

ENRIQUECIMENTO ILÍCITO - O colegiado também aprovou a tipificação do crime de enriquecimento ilícito de servidores públicos, também com pena de dois a cinco anos de prisão mais a possibilidade de perda dos bens obtidos de maneira ilegal.

HOMOFOBIA - A proposta prevê a criminalização por prática de discriminação ou preconceito contra homossexuais. A pena varia de um ano a cinco anos de prisão. O projeto colocou uma reserva para não enquadrar como crime a conduta: quem manifestar seu pensamento “de natureza crítica, especialmente a decorrente da liberdade de consciência e de crenças religiosas”. Isso só não vale se ficar demonstrado inequivocamente a intenção de discriminar ou de agir preconceituosamente. O projeto que trata da homofobia está na Comissão de Direitos Humanos, mas teve a votação suspensa na semana passada. A alteração vai retardar a tramitação do Código e é tratada nos bastidores pela bancada ligada a temas religiosos como forma de tentar rejeitar, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, qualquer tentativa de se tornar crime quem discriminar outros por preconceito de “identidade ou orientação sexual”.

ABORTO - A comissão manteve a previsão do crime de aborto constante do Código de 1940, isto é, que só pode ocorrer caso a gravidez ofereça risco à vida da mãe ou resultar de estupro. O relatório incorporou a decisão do Supremo Tribunal Federal de liberar o aborto de fetos anencéfalos. A interrupção da gravidez deve ser atestada por dois médicos.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

ESTELIONATO NA POLÍTICA PRISIONAL

O SUL - Porto Alegre, Terça-feira, 17 de Dezembro de 2013.


WANDERLEY SOARES


Sem usar de nenhum eufemismo, magistrado deu seu diagnóstico sobre o que está ocorrendo com a soltura de apenados



Do alto da minha carcomida torre, pois que sempre bombardeada, como um humilde marquês, sexta-feira treze última, apontei que os discursos oficiais e oficiosos (oficiais são sólidos e raros e, os oficiosos, são fartos e vazios) sobre o sistema penitenciário gaúcho, que, no país, é o que ostenta o flagelo maior, estão plenamente esgotados. Com isso, mais uma vez pautei coleguinhas de outros veículos que repercutiram, ontem, a questão e camuflaram, parcialmente, um depoimento do juiz Sidnei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais da capital, que colocou a minha posição crítica num plano de exagerada suavidade. Para mim, os discursos oficiais e oficiosos estão esgotados, pois para Brzuska o discurso existente representa um "estelionato". Sigam-me


Trabalho


Independente do que a sociedade possa pensar sobre isso, tem sido intensificada no Estado a ideia de que para arejar os presídios o melhor caminho é libertar cidadãos condenados, com ênfase para as tais tornozeleiras eletrônicas. A meta da Susepe (Superintendência dos Serviços Penitenciários) visa a alcançar o número de cinco mil apenados a circular pelas ruas com tornozeleiras. Ocorre que em qualquer parte do planeta este tipo de liberdade é relacionado a uma ocupação, a um trabalho, a um emprego, detalhes que não são sequer insinuados pela Susepe, que considera tal projeto um "sucesso"


O juiz


Ao apontar que o projeto da Susepe, que é a ponta de lança do governo neste episódio, não passa de um "estelionato", Brzuska deu para a mídia um depoimento claro e para o qual, seguramente, alguma resposta deve estar sendo cuidadosamente preparada e, talvez, ainda hoje seja divulgada. Disse o magistrado: "É um absurdo. Estamos soltando presos por falta de vagas e a Susepe considera como se isso fosse inexistente. Tem quase cinco mil detentos soltos que deveriam estar presos"


Bancos


O RS alcançou a maior quantidade de ataques a bancos e caixas eletrônicos dos últimos cinco anos. Foram 160 ocorrências. E o ano ainda não terminou


Mulheres


Homem foi morto pela própria esposa, ontem, em Vacaria. A mulher havia registrado duas ocorrências de violência doméstica contra o marido; 2) Um homem matou a ex-mulher a tiros a noite passada em Ijuí. De acordo com a Brigada Militar eles estavam separados. O homem foi até a casa de Tatiane Barbosa Alves, de 19 anos, e a executou com dois tiros; 3) uma mulher ficou gravemente ferida ao ser espancada pelo marido a noite passada na Vi-la São Judas Tadeu, Zona Leste de Porto Alegre. Janaina de Souza foi en-caminhada para o Hospital Cristo Redentor em estado gravíssimo. O autor do crime foi preso em flagrante; 4) Foi preso na Bahia um homem identificado como Jasmer Alexandre Souza, 21 anos, acusado do assassinato de Ruth Carvalho dos Santos, 70 anos, crime ocorrido há quatro meses em Tramandaí. Jasmer roubou e gastou 15 mil reais da velha senhora. Estas tragédias revelam que a Lei Maria da Penha ainda não assusta os agressores.

domingo, 8 de dezembro de 2013

O QUE É SEGURANÇA JURÍDICA?

BLOG DO PROFESSOR FABRÍCIO ANDRADE
quinta-feira, 8 de abril de 2010

Fabrício Andrade




O Estado Democrático de Direito pressupõe uma ordem jurídica em que se garantam importantes instrumentos para a defesa dos particulares em face do Poder do Estado. Os direitos e garantias individuais se apresentam como a maior defesa dos cidadãos em relação ao Estado. Hoje fala-se muito no princípio da Segurança Jurídica. É outro tema da moda. Vamos a ele. A própria existência de um ordenamento jurídico, com a previsão de preceitos normativos gerais, impessoais e abstratos, presta serviço à Segurança Jurídica, uma vez que em geral há regras previamente definidas para a resolução dos conflitos de interesses. A segurança jurídica é um direito fundamental do cidadão. Como se trata de uma cláusula aberta, o seu conceito é indeterminado, mas é perfeitamente possível esclarecer o que é. Aliás, é característica dos princípios serem cláusulas abertas, o que causa vez ou outra alguma dificuldade na sua aplicação ou compreensão. Os princípios são, na verdade, mais facilmente sentidos do que conceituados.

Estamos no momento do Pós-Positivismo e se percebeu que o velho silogismo da subsunção (adequação do fato à norma) não é capaz de resolver todos os problemas jurídicos. Recorre-se agora aos princípios para se dar conta de dirimir muitas questões para as quais a lei não tem resposta. Aqui entra a 'ponderação', um juízo de sopesamento de valores, realizado quando são enfrentados temas nos quais valores constitucionais aparentemente colidem.

A segurança jurídica é um direito fundamental do cidadão. Implica normalidade, estabilidade, proteção contra alterações bruscas numa realidade fático-jurídica. Significa a adoção pelo estado de comportamentos coerentes, estáveis, não contraditórios. É também, portanto, respeito a realidades consolidadas. Onde está a previsão constitucional da segurança jurídica? No art. 5º, XXXVI, CF - "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Muitos chamam esse dispositivo da Lei Fundamental de 'Trilogia da Segurança Jurídica'. É exatamente isso. Esse três institutos - direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada - promovem segurança jurídica. A segurança jurídica está igualmente no princípio da irretroatividade nas normas (art. 5º, XL, CF - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu). As leis, em regra, devem ter efeitos prospectivos - para o futuro.

Assim, se uma pessoa foi à Receita Estadual requereu e teve deferido um parcelamento de seus débitos tributários, tendo preenchidos todos os requisitos legais, não tem sentido a lei ou qualquer ato editado depois revogar o seu direito adquirido, conquistado pelo parcelamento, um ato jurídico perfeito. Assim também o é quando se fala em aposentadoria. Se hoje você atende a todas as exigências legais, a lei de amanhã não pode, ao alterar a sistemática, lhe prejudicar. A coisa julgada também é instrumento de segurança jurídica. Quando se decide um questão em juízo e contra a decisão não se interpõe recurso, a sentença transita em julgado, não podendo mais ser alterada. Aquilo fica imutável, intangível. Não teria sentido se permitir que uma matéria já decidida fique o tempo todo sendo rediscutida. Pensar diferente seria concordar com a insegurança jurídica. Como qualquer princípio ou direito fundamental, a segurança jurídica também não é absoluta. A coisa julgada, como se sabe, pode ser revista. Existe a ação rescisória no Processo Civil. Há a revisão criminal no Processo Penal. Há quem defenda uma maior relativização para a coisa julgada, algo sobre o qual já escrevi aqui no blog (http://professorfabricioandrade.blogspot.com/2009/12/relativizacao-da-coisa-julgada.html). 

Imagine que você vá ao DETRAN e faz toda a vistoria no seu veículo. Sai de lá com tudo certo, documento na mão, licenciamento e IPVA pagos, mas minutos depois no centro da cidade o policial da blitz lhe aplica uma multa alegando que existe uma irregularidade no extintor de incêndio e no lacre da placa. Tem sentido isso? Cadê a segurança jurídica? Toda a atuação estatal deve ser coerente, coesa, nunca contraditória. Quando um servidor ou outro agente público fala, eles falam em nome do Estado, e não se pode admitir declarações contraditórias. Há um princípio importante - também relativo à segurança jurídica - que é o Venire contra factum proprium, ou seja, "Vedação de comportamento contraditório". Cuida-se também de uma idéia de boa-fé e lealdade.

Outros institutos também ligados ao princípio da segurança jurídica são a prescrição e a decadência. Em regra ninguém poderá eternamente ficar sujeito a pretensões jurídicas alheias, sejam de um particular, sejam do estado. Há prazos para o exercício de pretensões. Não fosse assim, instalar-se-ia um quadro de insegurança jurídica. Já pensou ser possível a cobrança de um tributo a vida toda ou alguém sofrer uma persecução penal sem que para isso haja prazo? O STF mesmo determinou o trancamento de um inquérito policial que tramitava havia sete anos, justamente por não ser razoável que alguém fique esperando - com "a faca no pescoço" - a boa vontade do Estado em apurar o fato. Além de se verificar a incompetência estatal, a inércia da Polícia causou imensurável insegurança jurídica. Agora, com as recentes alterações, os Tribunais Superiores também contribuem para a segurança jurídica, considerando-se o seu papel de uniformizar a jurisprudência, especialmente por meio dos enunciados que têm caráter vinculativo (Súmula Vinculante e Súmula Impeditiva de Recurso), ao se evitar tantas decisões destoantes sobre a mesma matéria.

No controle de constitucionalidade, vê-se também algo interessante sobre esse assunto. Sabe-se que, quando se declara uma norma inconstitucional, o efeitos devem ser retroativos, porque o vício é desde o nascimento, é congênito (teoria ou princípio da nulidade). Mas tem sido muito comum a declaração de inconstitucionalidade com uma MODULAÇÃO DE EFEITOS, para preservar interesses sociais e a Segurança Jurídica(art. 27 da Lei 9.868/99 - que regula o processo e julgamento de ADI e ADC), marcando-se um ponto a partir do qual se produzirão os efeitos da decisão, podendo ser o trânsito em julgado ou outro momento definido no julgamento. Não teria sentido se desfazer tudo o que foi durante muitos anos regido por aquela lei. Imagine um credenciamento de um curso superior considerado ilegítimo agora. Muitas pessoas já formadas, no mercado de trabalho, não poderiam ser consideradas DESformadas. Aplica-se aqui a chamada 'Teoria do Fato Consumado'.

No emblemático HC 82959 em que o STF declarou a inconstitucionalidade da vedação da progressão de regime aos condenados por crimes hediondos, também se aplicou a modulação dos efeitos, justamente para evitar uma enxurrada de ações de pedido de dano moral, ajuizadas por aqueles que cumpriram, em regime integralmente fechado, suas penas por crimes hediondos. A rigor - considerando-se a regra de que os efeitos devam ser 'ex tunc' (retroativos) - era para ser tudo inconstitucional, tudo ilegítimo. Os ministros entenderam, convenientemente, que a manipulação dos efeitos era a decisão mais acertada em homenagem à segurança jurídica e a excepcional interesse social. Caso ainda mais interessante é quando a inconstitucionalidade é de tributo. Sendo inconstitucional, era para ser desde o início inconstitucional. Mas sabem o que os ministros do STF sempre fazem? Modulam os efeitos, invocando segurança jurídica e relevante interesse social! Recentemente a Contribuição Social FUNRURAL (Recurso Extraordinário (RE) 363852) foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Sabe o que o STF fez? Não modulou os efeitos! Nesse caso, o Supremo destoou do que vem fazendo, porque geralmente os ministros modulam os efeitos quando se trata de tributos inconstitucionais, justamente para evitar os pedidos retroativos. A inconstitucionalidade do FUNRURAL se deu no caso concreto e, em princípio, os efeitos são apenas para as partes. Por outro lado, levando em conta a repercussão geral do recurso, certamente choverão ações no mesmo sentido. E mais: é possível pedir tudo o que foi pago ao longo desses anos. O que você acha nesses casos? Deve prevalecer a segurança jurídica ou o interesse patrimonial dos contribuintes que pagaram um tributo inconstitucional? Eu queria mesmo era falar da segurança jurídica. Consegui?


sábado, 7 de dezembro de 2013

QUEM INVESTIGA?

BLOG CRIMINOLOGIA E SEGURANÇA segunda-feira, 4 de março de 2013

CRÔNICAS DA SEG PÚBLICA: Diálogo de um delegado e de um promotor (ou o "autismo institucional" do MP e do Judiciário sobre a segurança pública)


Imagine o seguinte diálogo: uma jovem estagiária do Ministério Público, estudante de direito, recebe a tarefa de cobrar de um delegado de polícia o andamento de uma requisição ministerial. Ela liga para a delegacia:


-Alô?! É da delegacia?
-Sim! Aqui é da DP. O que deseja?
-Aqui é da Promotoria de Justiça, sou estagiária, e gostaria de falar com o delegado.
-É ele quem está falando. Pode falar!
-Olá, sr. delegado! Estou ligando a pedido do sr.promotor, para saber do andamento de uma requisição de diligências do processo XXXX.
-Hmmm. Acho melhor a senhorita entrar em contato com o escrivão. É ele que tem o controle dos procedimentos. Assim, pelo número, fica difícil de me lembrar. São muitos inquéritos.
-Como faço para falar com ele (o escrivão)?
-Olhe! Ligue na semana que vem! Pois o escrivão está de licença médica.
-De licença médica? E não tem ninguém para me atender?
-Infelizmente, não! O cartório está fechado. Pois o pessoal da Secretaria de Segurança não mandou outro escrivão para substituir o que está doente, apesar de terem sido informados do problema!
-Quer dizer que não tem escrivão e ninguém pode atender o que estou pedindo?
-Isso mesmo. Não tem escrivão, nem agentes, tampouco viatura. Estou praticamente sozinho aqui na delegacia.
-Mas não é possível uma coisa dessas!- Lamenta a estagiária.
-E olha que o sindicato anunciou nos jornais que vai piorar. Pois os policias vão entrar em greve-responde o delegado.
-Mas eu precisava dessa informação agora!
-Agora é impossível, pois eu nem tenho como acessar essa informação pelo sistema.
-O senhor não tem controle on line dos procedimentos? Não existe um inquérito eletrônico?
-Olha! O secretário até deu uma palestra falando disso, e esperávamos que esse sistema fosse instalado esse ano, mas não foi. Além do mais, a internet aqui está fora do ar há mais de um mês.
-Mas isso é um absurdo!
-Concordo plenamente com você!
-Bom, obrigada então pela atenção, senhor delegado!
-Não há de que, querida. Tenha um bom dia!


Resignada, a estagiária se dirige até o gabinete do promotor, para comunicar a conversa com o delegado:


-Doutor! Acabei de entrar em contato com a delegacia!
-Falou com o delegado? -pergunta o promotor.
-Sim, mas não tenho boa notícia para o senhor.
-Diga!
-Eu falei com o delegado e ele disse que não tem como atender o seu requisitório. Pelo menos, não nessa semana!
-Mas como é que é? Que audácia! Ele simplesmente disse que não vai cumprir com o que eu requisitei?
-Isso mesmo, doutor!
-Mas isso é um absurdo. Um acinte, uma desobediência. Ele vai descumprir o que diz o Código? Será que esses delegados não aprenderam que tem atender as requisições das autoridades constituídas no processo, pois é obrigatório. Será que não leram o CPP?
-Pois é, doutor, eu sinto muito, mas foi o que ele disse, que não tinha como atender.
-Além de tudo, um "fdp" desses atrasa todo o trabalho da promotoria. Como é que eu vou dar prosseguimento ao processo, se a polícia não cumpre com as diligências que eu requisito? Isso não vai ficar assim, não!
-.................
-Não vou ficar desmoralizado aqui na promotoria por conta de um delegadozinho de meia tigela, de uma delegacia de subúrbio, que acha que só presta contas ao secretário de segurança-esbraveja o promotor, enfurecido.
-Por isso que quando eu me formar, eu vou é ser promotora ou juíza-pensa com seus próprios botões, a estagiária.
-Jurema! Vá até a biblioteca do fórum e traga-me uma revista de jurisrprudência da Câmara Criminal. Vou estudar uma forma de "ferrar" com aquele delegado.
-O senhor quer que encontre jurisprudência de onde?
-Sei lá! Pode procurar jurisprudência de qualquer parte do Brasil, que fale de crimes de desobediência praticados por autoridades. Procure....hmmmm.......em qualquer tribunal. Quem sabe, no TJ do Acre!
-Acre?-pergunta a estagiária, incrédula.
-Sim, Acre! Ou Rondônia, ou quem sabe do Tocantins! Sei lá! Só quero que você encontre!-responde o promotor.
-Ok, doutor! Providencio já!
Já mais relaxado em sua mesa, o promotor pensa consigo próprio-"eu passei dois anos com a bunda presa numa cadeira, na casa de mamãe, estudando pra concursos, sem vida social, fazendo aqueles testes chatos, para agora, já autoridade e ganhando bem, ser contrariado por um delegado. Onde já se viu, isso?! Será que esse povo não se enxerga?!".


Horas depois, chega a estagiária, com um calhamaço de jurisprudências e exemplares de revistas jurídicas nas mãos.
-Está aqui, doutor, o que o senhor me pediu!
-Que bom, Juju! Deixe tudo aí na mesa, que depois eu elaboro um ofício endereçado ao Fórum ou à Corregedoria.
-Tudo bem, doutor. Eu só fiquei curiosa com uma coisa. Eu podia perguntar para o senhor?
-Claro, querida. Fique à vontade. De que tem dúvida?
-Eu só queria saber uma coisa: o senhor tem como prender um delegado por não ter respondido o seu requisitório?
-Bem, a ideia é essa! Apesar de que é bem difícil disso acontecer, no processo penal brasileiro. Por que?
-É que, se o senhor prender o delegado porque não o obedeceu.Quem é que vai cuidar da delegacia e prender os bandidos?
-Ahh! Meu amor! Isso é fácil!
-Não entendi!
-Bobinha! Se não tiver delegado, outro pode prender os criminosos! Você nunca ouviu falar no Batman? Não conhece histórias em quadrinhos??




O ficctício e divertido diálogo que inventei acima, apesar da jocosidade da narrativa, lembra-me um comportamento muito comum entre as instituições criminais no Brasil, que chamo de "autismo institucional".


Por autismo institucional entendo a ausência completa de diálogo entre os órgãos do Estado responsáveis pela persecução criminal (Polícia, Judiciário e Ministério Público). Por vezes, dada sua autonomia e diferenciação de funções, profissionais e autoridades desses órgãos não mantém contato e nem redes de comunicação que não passem dos meros expedientes formais. Tal distanciamento acaba por gerar distorções, dentre elas, uma visão pré-concebida ou preconceituosa de que a polícia não quer auxiliar os trabalhos do Ministério Público, ou de que as promotorias querem tomar o lugar da polícia na investigação criminal, como se dá na polêmica acerca da votação da PEC 37 no Congresso Nacional.




Na verdade, não obstante, ter em sua maioria, profissionais extremamente sérios e qualificados, a Polícia, o MP e o Judiciário, parecem percorrer trilhos distintos e desgovernados, que às vezes provocam colisões. Tal desacerto não ajuda ninguém, e a sociedade é um dos principais prejudicados com tal situação. Fechado em um certo positivismo formalista, apegado apenas à letra da lei, num procedimentalismo oco, e sem antever a realidade externa, alguns promotores e juízes adotam posturas equivocadas de achar que profissionais da segurança agem dolosamente, prejudicando premeditadamente a instrução criminal, uma vez que não atendem a tempo (ou simplesmente não conseguem atender) às requisições legais, por conta de sua deficiência estrutural.


Em maior ou menor grau, é possível ver em diversos estados da federação o sucateamento das unidades de segurança pública. Em muitas cidades, da periferia rural até a zona urbana, profissionais do direito e da segurança ficam chocados diante de tanto descaso, da ausência de investimento governamental a suprir necessidades básicas do aparato de segurança pública: como a contratação de pessoal, equipamentos, munições, e meios de investigação.


A situação é dramática, mas mesmo diante de tanto drama alguns profissionais preferem se fechar em sua zona de conforto, no seu nicho institucional, no ar condicionado de suas repartições, na formação de baronatos, distanciados da realidade das ruas e das carências institucionais formuladas por um modelo falido de governabilidade, pautado muito mais em interesses políticos imediatistas e elitistas, do que no interesse público, de ver reformada e otimizada uma estrutura policial. Com isso, não sofrem apenas delegados, agentes, escrivães, mas também promotores, juízes, advogados, acusados, vítimas e testemunhas, que veem uma máquina estatal emperrada, sem que seus principais atores se comuniquem devidamente, provocando uma verdadeira confusão institucional. Acredito que mudanças significativas quanto a isso passam por iniciativas de política criminal e reforma da legislação.


No que tange à política criminal, apenas para dar um exemplo: acredito na atuação integrada entre os órgãos do sistema criminal (Polícia e Ministério Público, especialmente), por meio de parcerias institucionais que já ocorrem em muitas nações do mundo. Necessitamos, sem dúvida, de um Ministério Público forte, numa sociedade democrática, assim como também temos que ter um aparato policial eficaz na resolução de crimes e investigação de delitos, mas isso somente pode ocorrer se a atuação de delegados e promotores não for fragmentada. Acredito, sim, no constitucional controle externo dos atos da polícia pelo MP, mas também acredito que as promotorias poderiam atuar de forma mais aproximada e não distanciada dos profissionais da segurança; no momento em que delegacias e promotorias funcionassem num mesmo espaço físico, ou mesmo em lugares diferentes houvesse uma comunicação interna comum a todos esses órgãos, contando com um sistema informatizado e em rede, onde promotores, delegados e juízes pudessem manter contato contínuo, além dos meros expedientes formais e protocolares.



Defendo também uma mudança da legislação, com uma reforma completa do atual Código ou mesmo com um novo Código de Processo Penal. O vetusto inquérito policial, da forma como se encontra, deve ser extinto ou reformulado, dando-se mais espaço para os serviços de investigação e menos para os atos inquisitoriais, como a realização de oitivas e interrogatórios (tarefa do Judiciário). Acredito também na distribuição de efetivo, com policiais trabalhando simultaneamente à disposição de promotores e delegados, sem conflitos ou disputas de poder. Afinal, a investigação deve ficar a cabo da polícia (sob fiscalização do Ministério Público); pois, assim como o caso criminal é do delegado, sabe-se que a ação penal pública é privativa do promotor ou procurador da república. Assim, com a redistribuição clara de tarefas e espaços, na redifinição legal da persecução penal, acho que podemos evitar uma série de problemas futuros.


Portanto, diante do diálogo exposto acima, que muitos de nossos valorosos operadores da segurança pública, assim como os respeitáveis integrantes do Ministério Público possam se livrar do autismo, que põe vendas nos olhos e lhes turva a visão dos reais problemas que afetam não só a polícia, mas a sociedade como um todo. Se muitos promotores, de maneira legítima, reclamam de uma nova legislação que possa lhes instituir uma mordaça; que eles possam também bradar contra uma ideologia alienante e uma ignorância sociológica sobre os problemas reais da segurança pública, que coloca vendas que lhes tolhem a visão. Abram os olhos! Profissionais da segurança pública e dos demais órgãos estatais! A sociedade agradece.

Postado por Fernando Silva Alves 

MISTÉRIO CRIA DIVERGÊNCIA NO SISTEMA

ZERO HORA 07 de dezembro de 2013 | N° 17637

CARLOS WAGNER

MISTÉRIO NA SERRA. TJ determina reabertura de investigação de crime

Ministério Público havia pedido arquivamento de caso, dado como suicídio, que ocorreu em 2011



Um caso que envolve disputa por herança e uma morte misteriosa em São Francisco de Paula, na serra gaúcha, foi reaberto pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJ). Em fevereiro de 2011, a professora Cleusa Borges do Amaral, 46 anos, foi encontrada morta em casa com três tiros. A Polícia Civil indiciou o marido dela pelo crime, o comerciante Mário Luiz Benetti, 50 anos.

Mas, ao examinar o inquérito, o Ministério Público pediu arquivamento do caso como suicídio, o que foi acolhido pela Vara Judicial da cidade. Inconformada, a família de Cleusa recorreu ao TJ. No dia 28 de novembro, a 2ª Câmara Criminal, por três votos a zero, determinou o desarquivamento do inquérito.

Com a decisão, a documentação será remetida ao procurador-geral de Justiça para decidir o futuro do caso. Ele deverá designar um novo promotor para analisar o inquérito que terá três opções: se manifestar pelo arquivamento ou oferecer denúncia contra o comerciante por homicídio ou ainda solicitar novas investigações para a Polícia Civil.

A família de Cleusa nunca concordou com o arquivamento do caso. Entre os moradores da cidade, a morte virou um mistério. Representando a família da professora, os advogados Ricardo Cunha Martins e Francini Lara Fischer conseguiram que o desembargador Jaime Piterman autorizasse o mandado de segurança que pediu o desarquivamento do processo.

– Há várias provas que demonstram que ela não se suicidou. Por exemplo: foram três tiros disparados a uma distância de uns oito centímetros do corpo. E também não foram encontrados vestígios de pólvora nas suas mãos – argumenta Martins.

O advogado Gustavo Silvestrin Amoretti, que representa Benetti, disse que irá recorrer da decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele crê que a disputa da herança, pelo seu marido e a família dela, é um ponto de tensão do caso.


Delegado sustenta inquérito

O delegado Daniel Reschke defende a qualidade do seu inquérito policial. Foi mais de um ano de trabalho. Em junho, ele reabriu as investigações e ouviu novas testemunhas. E mantém as convicções que determinaram o indiciamento de Benetti como suspeito pelo crime.

Argumenta que as provas recolhidas no local do crime e o fato de a professora ter sido alvejada por três tiros são fortes o suficiente para derrubar a tese de suicídio.

– Fico contente com o desarquivamento – disse.

Atualmente, o delegado está trabalhando em Canela. O caso está aos cuidados dos policiais de São Francisco de Paula.

Advogado de suspeito fala em “provas circunstanciais”

Defensor do marido da vítima, Gustavo Silvestrin questiona a qualidade do inquérito policial feito pelo delegado, que teria se baseado em provas circunstanciais para indiciar o seu cliente:

– Várias pessoas-chave não foram ouvidas, como duas empregadas da casa que, no dia da morte, foram dispensadas, e o psiquiatra que tratava do problema de depressão dela.


AS LINHAS DE INVESTIGAÇÃO
Veja o que pode ter acontecido com a professora Cleusa

POR QUE TERIA SIDO SUICÍDIO - Cleusa sofria de depressão profunda, dispensou as empregadas mais cedo naquele dia e cometeu suicídio com revólver do marido. Em depoimento à Polícia Civil, Benetti afirmou que Cleusa é quem cuidava da arma. A família de Cleusa não aceita o suicídio por motivos patrimoniais, não quer dividir os bens dela com a filha adotiva. O processo de adoção segue mesmo com a morte da professora.

POR QUE NÃO TERIA SIDO SUICÍDIO - A prova técnica afasta o suicídio. A perícia não identificou características de tiro a curta distância. É impossível uma pessoa com arma na mão esquerda atirar da direita para a esquerda e à distância. O sutiã dela não tinha resíduos de chumbo, assim como também não tinha sinais de pólvoras nas mãos. Cleusa não sofria de depressão e tinha pavor de armas. A família está preocupada em esclarecer o caso, e não com herança

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

MOROSIDADE NAS PERÍCIAS NO RS

ZERO HORA 02 de dezembro de 2013 | N° 17632

HUMBERTO TREZZI

Interdição ameaça solução de crimes

Fechamento do principal edifício do IGP provoca queda nas emissões de laudos vitais para o esclarecimento de assassinatos e outros delitos graves



O vigilante Oziel Santos de Melo, que trabalhava na portaria de uma obra no bairro Humaitá, em Porto Alegre, foi morto com um tiro no pescoço no dia 20. Após matá-lo, ladrões levaram uma TV e um computador. Os policiais civis que investigam o caso já receberam informações sobre uma quadrilha que atua na região. Se conseguirem apreender a arma de algum suspeito, isso de pouco adiantará. É que os testes de balística do Instituto-geral de Perícias (IGP) não são feitos há um mês e não há perspectiva, a curto prazo, de quando serão retomados.

Desde 1º de novembro, o principal prédio do IGP, o do Departamento de Criminalística, está interditado por determinação da prefeitura, em decorrência da falta de proteção contra incêndio. Apesar de bem-intencionada, a medida acarretou um efeito colateral devastador em uma repartição que já sofre com a morosidade, por carência de funcionários. Vital para elucidar crimes como homicídios e latrocínios, o setor de balística do IGP não emitiu nenhum laudo neste período. Nesse local, deixam de ser feitas 30 perícias por dia, em média. Isso significa 900 perícias não realizadas desde que o prédio foi fechado. São exames de projéteis (em média, 20 por dia) e armas (10 por dia) que não aconteceram. O cálculo é do Sindicato dos Peritos Criminais do Rio Grande do Sul.

O setor de balística está inoperante porque nele funcionam laboratórios de revelação química, necessária para verificar a numeração de armas apreendidas. Ele tem esgoto especial, locais de exames isolados (para evitar contaminações químicas ou por líquidos de outras perícias). Como o prédio principal do IGP foi interditado sem que se tivesse construído novos laboratórios, essa ala está paralisada. Alguns servidores estão em casa, outros, em férias.

Esse setor não é o único atingido. Conforme dois sindicatos, dos Servidores da Perícia e dos Peritos, a média de perícias diárias em todo o IGP caiu, desde 1º de novembro, de 73 para 52. Num cálculo aproximado, deveriam ser feitos, nos últimos 30 dias, 2,2 mil laudos, mas foram realizados pouco mais de 1,5 mil. Ou seja, 30% deixaram de ser concluídos. Os servidores reclamam que o serviço está pulverizado entre vários prédios inadequados para um bom trabalho.

– Não é só na balística o problema. Há também na informática e na fonética. Na documentoscopia, uns 70 laudos não foram emitidos por falta de lugar adequado para trabalhar. Na perícia ambiental, 40 perícias não foram agendadas e 40 não foram expedidas – diz o presidente do Sindicato dos Peritos Criminais, Álvaro Bitencourt.

Cerca de 20 plantonistas, que permanecem 24 horas atuando em locais de crime, estão praticamente acampados em uma sala do Departamento de Identificação. Alguns descansam em colchonetes, outros, em poltronas, quando o normal seria camas. Cogita-se greve, se não houver mudanças.

O reflexo disso para a população é a impunidade, alertam especialistas. Atrasos de perícias retardam a conclusão dos inquéritos policiais e podem até comprometer os resultados, se a Justiça entender que réus devem ser libertados por decurso de prazo (quando passa tempo demais entre o indiciamento e a possível condenação).

– Isso acarreta a soltura de réus perigosos, adia júris e faz com que o juiz suspenda prisões preventivas, porque o suspeito passou muito tempo na prisão, sem que a perícia comprovasse seu crime. O surgimento de novas delegacias de homicídios é excelente, mas não adianta se as perícias atrasarem – analisa Eugênio Amorim, promotor da 1ª Vara do Júri de Porto Alegre.

Odival Soares, diretor do Departamento de Homicídios da Polícia Civil, prefere não polemizar, mas admite:

– Nos casos em que apreendemos armas com suspeitos, a perícia é vital, e os atrasos são rotineiros.

A falta de funcionários é outro dilema. O quadro de cargos de provimento do IGP prevê 1.766 servidores. Hoje, são 862, média que se mantém há anos. Os concursos sequer suprem aposentadorias e desistências, segundo a presidente do Sindicato dos Servidores do IGP, Cláudia Bacelar Rita.

– Muitos desistem da carreira porque o salário inicial é de R$ 1,4 mil (para nível médio) e de R$ 4,5 mil (para alguns de nível superior), excetuados adicionais por risco de vida. Muitos médicos vão embora, porque qualquer posto de saúde na Capital paga pelo menos R$ 9,5 mil, sem exigir exclusividade – exemplifica .

Atualmente, há negociações entre associações de peritos e a direção do IGP, para solucionar os impasses no universo da perícia gaúcha.


Novo prédio só existe no papel

O governo estadual anunciou há poucos dias que o Rio Grande do Sul terá um Centro de Excelência em Perícia Criminal, o primeiro do gênero no Brasil. As obras devem começar até 2015, e o Ministério da Justiça já disponibilizou R$ 28 milhões, além dos R$ 2,8 milhões de contrapartida da Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP). O único problema na notícia, divulgada em novembro, é que há quase três anos o governo Yeda Crusius fez anúncio semelhante.

Caberá ao IGP, inclusive, atender, quando necessário, os Estados de Santa Catarina, Paraná e países vizinhos, informa o secretário da Segurança Pública, Airton Michels.

O prédio, a ser construído na Rua Voluntários da Pátria, está previsto para ter sete andares e abrigará todos os setores e divisões do Departamento de Criminalística e do Departamento de Perícias Laboratoriais. O Departamento de Identificação seguirá na Avenida da Azenha, e o Departamento Médico Legal, na Avenida Ipiranga.

Serão comprados equipamentos de laboratório, como microscópios e scanners de corpo.

Um prédio em tudo similar ao que agora é prometido pelo governo Tarso Genro foi anunciado pela ex-governadora, inclusive com lançamento de maquete. Estava orçado em R$ 60 milhões. Ficou apenas na maquete. Zero Hora procurou representantes da segurança pública na gestão Yeda Crusius. Tentou obter opiniões do ex-secretário Edson Goularte e do ex-presidente do IGP, Áureo Figueiredo Martins. Nenhum deles deu retorno aos pedidos de entrevista.


O cotidiano dos sem-laboratório


Indispensável para fornecer provas materiais contra suspeitos de assassinato ou roubo, o setor de balística está inoperante desde 31 de outubro. Era o que mais necessitava de isolamento, dentro do prédio do Departamento de Criminalística, na Avenida Princesa Isabel, em Porto Alegre. Os peritos recebem armas e com elas fazem, via de regra, vários testes, como verificar se funciona e se não está adulterada (com numeração raspada ou peças trocadas para aumentar o calibre). São cerca de 600 armas por mês, nos cálculos de quem atua ali.

Outros 300 testes envolvem apenas projéteis. O perito faz a chamada coleta de padrão, que consiste em disparar com a arma suspeita dentro de um caixão forrado, pegar a bala e compará-la, ao microscópio, com o projétil coletado no local do crime. Cada projétil, ao ser disparado, fica marcado com ranhuras impressas pelo cano da arma.

– É como uma impressão digital marcada em chumbo – define um perito consultado por ZH.

A comparação das ranhuras do projétil coletado no local do crime às do que foi disparado pela arma apreendida só pode ser feita em microscópios. E os disparos devem ser feitos em câmeras existentes no DC, porque envolvem ruídos. Pois tudo isso parou e não há perspectiva de volta, a curto prazo.

Desde o início de novembro, os microscópios, a seção química – que usa produtos especiais para analisar adulterações das armas – e as câmeras de disparo não operam, porque o prédio foi interditado.

Sem trabalhar na sua função-fim, os peritos da balística estão atuando na Academia Integrada de Segurança Pública, elaborando Procedimentos de Operação Padrão (manuais sobre a rotina de serviço). Sem tiros, sem microscópio, sem laudos.

– Muitos aproveitaram para tirar férias ou licença-prêmio. Outros apenas vão para casa, esperam. Nunca vivemos algo parecido – resume um perito com três décadas de experiência.

Ainda não há data prevista para a reabertura dos laboratórios do setor de balística.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Onde estão todos aqueles argumentos que justificaram a saída da perícia do corpo da polícia investigativa? 

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

RESPEITO



ZERO HORA 28 de novembro de 2013 | N° 17628


ARTIGOS


Jader Marques*



Quando perguntavam a Oswaldo de Lia Pires quem ele era, sempre respondia: advogado, advogado, advogado. Foram mais de 65 anos de exercício ininterrupto da advocacia, sempre aguerrida, vibrante, forte. Quem teve a sorte de conviver com a lucidez, com a generosidade, com a experiência desse advogado que viveu quase um século pôde perceber o seu descontentamento com o desrespeito geral em relação à profissão do advogado, especialmente o criminalista. Para aqueles mais chegados, como seus sobrinhos e companheiros de escritório, contava histórias de um tempo em que uma comunidade inteira parava para reverenciar o trabalho, a oratória, a elegância, a inteligência, a astúcia, de promotores e advogados ilustres, em torno de alguma causa de repercussão, geralmente uma tragédia, envolvendo honra, sangue, ódio, cobiça, mistério. Bons tempos aqueles, dizia o Dr. Lia Pires.

Advogar é a arte de argumentar, de provar, de enfrentar e de resistir, de ser forte por alguém que está fraco, de ser a voz de alguém que não pode falar, de ser a defesa contra tudo e contra todos, contra a unanimidade, pela garantia de um processo segundo as regras constitucionais, adequado, ético, justo. Advogar é defender o direito de defesa, mesmo diante do mais horrendo dos crimes, mesmo diante da mais odiada das criaturas humanas, mesmo diante da enorme repulsa da imprensa, que tanto anima os feridos, os assustados, os impressionados. Advogar é estar ao lado do demasiado humano de forma incondicional, sem fazer julgamentos morais, sem ter preconceitos, sem sentir constrangimentos, sem ter medo do ataque injusto e desmedido de qualquer um, sem titu-bear diante da opressão e do abuso de autoridade.

A maior agressão ao trabalho de um advogado, sobretudo na área criminal, é a confusão. A discussão acalorada em torno de uma tese ou de um requerimento não deve ser confundida com um teatro. O debate, alguma vez ríspido, entre acusação e defesa não deve ser confundido com uma briga pessoal ou com desrespeito. O advogado aguerrido, forte, combativo, não deve ser confundido com um provocador, assim como não pode ser confundido com seu cliente. Firmeza na condução da defesa não pode ser confundida com ataque à vítima. Todas as formas de confusão, premeditadas ou involuntárias, ofendem a honra dos profissionais, violam a necessária integridade das prerrogativas da advocacia e enfraquecem o Estado democrático de direito.

Sem direito de defesa, não há processo regular. Sem direito de defesa, não há sentença válida. Sem direito de defesa, não há punição justa. E sem advogado não há direito de defesa. Em nome dos acadêmicos e futuros advogados, em nome dos colegas de advocacia criminal, em nome dos acusados pela Justiça pública: Respeito!


*ADVOGADO CRIMINALISTA

domingo, 24 de novembro de 2013

NOMES SEMELHANTES E ATÉ APELIDOS LEVAM INOCENTES À PRISÃO

FOLHA.COM 24/11/2013 - 02h05


JULIANA COISSI
DE SÃO PAULO


Maria Aparecida foi confundida com Aparecida. Moraes, com Morais. José da Silva, com outro de mesmo nome. Todos foram presos por crimes que não cometeram.

Somente em São Paulo, segundo levantamento feito pela Folha, ao menos 56 pessoas foram vítimas desse tipo de equívoco desde 1994.

Foram horas, dias e até anos de reclusão por terem nomes e sobrenomes parecidos com os dos verdadeiros suspeitos, embora não tivessem feições, nomes dos pais nem documentos semelhantes.

Márcio Neves/Folhapress

Jurandir Xavier da Cruz, 58, preso em virada do ano porque criminoso falsificou seu RG


Somados os períodos atrás das grades, essas pessoas permaneceram presas injustamente por sete anos, oito meses, 18 dias e 14 horas.

Há casos ainda de pessoas encarceradas porque tiveram o documento roubado. Cumpriram pena no lugar do ladrão que lhes subtraiu o RG.

A reportagem chegou aos 56 casos a partir de ações no Tribunal de Justiça de SP e da análise dos 96 acórdãos em que aparecem os termos "homonímia" e "preso".

O número pode ser ainda maior. Isso porque o levantamento só inclui quem processou o governo do Estado, responsável pelas polícias que efetuaram as prisões.

O valor total das indenizações definidas pela Justiça nesses processos foi de R$ 1,7 milhão. Na maioria dos casos, porém, não houve pagamento porque o Estado ainda recorre da decisão, embora admita falhas nas prisões.

Em algumas situações, há erros crassos, como confundir um "Barboza" com outro "Barbosa", com "s".

Num outro episódio, a polícia se valeu apenas do apelido para efetuar a prisão. Eronildo Furtuoso Correa, o Nildo, ficou nove meses na cadeia em 2007 no lugar de outro Nildo -Leonildo. "Minha vida até hoje não entrou no eixo", disse Eronildo.

Ele e outras vítimas desses erros relataram à Folha que ainda hoje têm problemas emocionais e que nunca mais recuperaram o emprego.

Maria Aparecida Radiuc, 58, ficou seis dias presa em 2001 ao ser confundida com a cunhada, Aparecida Radiuc, suspeita de sequestro de um bebê. "No caminho, só gritavam: 'Cadê o bebê? Onde o deixou'? Eu não entendia nada", disse ela.

Cida diz que o delegado a agrediu, batendo forte em suas costas. "Na cadeia, as presas gritavam: Vai morrer!"

A maioria aguarda indenização. José Francelino da Silva, não mais. Preso por 26 horas em 2009, morreu sem reparação financeira.

Para Martim Sampaio, diretor de Direitos Humanos da seção paulista da OAB, as prisões ocorrem por um erro "abominável", a falta de um sistema eficiente de checagem de dados pessoais.

"A maioria dos presos neste país é pobre e tem nomes simples, como Souza, Silva. E a polícia não verifica direito. Simplesmente prende."

INDENIZAÇÃO

As indenizações não seguem nenhum padrão. O TJ, por exemplo, condenou o governo paulista a pagar R$ 20 mil a um PM que ficou preso 12 horas. Já para um homem detido por dez dias, a indenização foi de R$ 5.000.

Juiz no fórum de Santana, Enéas Garcia afirmou que o TJ tem trabalhado para tratar casos de homonímia com mais rapidez, mas reconhece sobrecarga de processos.

Sobre valor, diz que não há uma tabela de indenizações.

DE DALLAS A SANTA MARIA

ZERO HORA 24 de novembro de 2013 | N° 17624

ARTIGOS

Flávio Tavares*



Qualquer crime contra a vida e a dignidade humana é perverso, mas pode até ter explicação racional

O assassinato de John Kennedy completa meio século, sem que se saiba quem o matou e a mando de quem ou do quê. A grande conspiração que, com dois tiros disparados a mais de 30 metros, estourou os miolos do presidente dos Estados Unidos a 22 de novembro de 1963, em Dallas, não é apenas um complicado caso policial que passe à História como insolúvel, se dissolva nos anos e no esquecimento. Matar o presidente da maior potência militar, econômica e financeira do planeta em seu automóvel em plena rua e, passados 50 anos, não desvendar o crime (nem saber explicá-lo) é ainda mais vergonhoso e absurdo do que o próprio crime.

Sim, pois o encobrimento é mais ultrajante do que o delito em si. Qualquer crime contra a vida e a dignidade humana – a começar pela tortura – é perverso na essência, mas pode até ter explicação racional. Encobri-lo, porém, é perversão abjeta e irracional, pois cometido pela própria Justiça. É um crime dentro do crime. Só a mesquinhez do interesse subalterno (chame-se corrupção, desídia, peculato, suborno, alienação, ânsia de lucro ou o que for) pode explicá-lo.

No assassínio de Kennedy, “razões de Estado” levaram a encobrir o crime – até hoje, a nódoa profunda e vergonhosa da democracia norte-americana. Lá, desbarataram até a odiosa discriminação racial que, em Mississipi e no Texas, ainda nos anos 1960 enforcava negros na rua. Hoje, Obama – um negro – governa os EUA e o opróbrio foi vencido. Mas falta apontar os concretos assassinos de Dallas.

Seria penetrar no amargo âmago do poder, investigar (e acusar) a CIA e os serviços secretos. E, com isto, fazer estremecer o próprio poder, derrubando políticos, empresários, mafiosos notórios ou aparentes virtuosos. E, até, astros de Hollywood, do boxe e do beisebol.

Mas, e aqui, que não temos Óliúdi nem boxe ou beisebol?

A cada grande crime novo, evapora-se o anterior. Aqui tudo é Copa do Mundo e futebol e nem isto está a descoberto. No resto, o encobrimento manda e desmanda. Um mês atrás, no Ministério do Trabalho, em Brasília, estourou um escândalo envolvendo íntimos assessores do ministro em desvios de R$ 400 milhões. (Repito a cifra descomunal por extenso – quatrocentos milhões – para não haver dúvida). Preso em seu gabinete, o principal acusado saiu algemado do ministério, mas (liberado depois) volta lá todos os dias, mesmo demitido.

Lembram-se da reação do ministro Manuel Dias, do PDT? Ameaçou “revelar coisas impublicáveis” se perdesse o cargo e não se falou mais nisso. Logo após, a Procuradoria da República de novo “perdeu o prazo” para responder a um tribunal estrangeiro sobre as multimilionárias somas depositadas pelo chefão do PP, Paulo Maluf, em bancos europeus, notoriamente oriundas de fraudes. Com isto, prescreve o processo iniciado lá fora.

A lista dos grandes encobrimentos ocuparia páginas do jornal. Por isto, limito-me ao mais trágico dos acontecimentos e que (mesmo bem próximo) se encaminha para a mais infamante impunidade – a matança de janeiro na boate de Santa Maria.

O minucioso inquérito policial e a amplitude da carnificina de 242 pessoas não foram suficientes para sensibilizar os promotores de Justiça por lá. Foi preciso reabrir agora a investigação, quase recomeçar tudo de novo, para evitar que se encubra o crime abjeto. E para que Santa Maria não seja a Dallas brasileira.

P. S. – Além do sorriso, o mais bonito na libertação de Ana Paula Maciel foi o cartaz que empunhou ao sair da prisão, na Rússia: “Salve o Ártico”. Mais do que salvar-se a si mesma, ela opta por salvar a vida no planeta.


*JORNALISTA E ESCRITOR

terça-feira, 19 de novembro de 2013

CASO BECKER À ESPERA DE JUSTIÇA


ZERO HORA 9 de novembro de 2013 | N° 17619
HUMBERTO TREZZI

Caso Becker longe do fim. Às vésperas de completar cinco anos da morte, suspeitos de execução ainda não se tornaram réus


O assassinato que mexeu com o Rio Grande do Sul completará cinco anos no início do próximo mês e não há sequer perspectiva de um julgamento a respeito. Foi em 4 de dezembro de 2008 que o oftalmologista e vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Marco Antonio Becker, foi morto a tiros dentro de seu carro após ser abordado por dois homens em uma moto na Rua Ramiro Barcelos, bairro Floresta, na Capital.

A Polícia Civil levou um ano para concluir: o crime foi tramado por outro médico, o ex-andrologista Bayard Fischer dos Santos, que teria se aliado a um traficante de drogas, Juraci Oliveira da Silva, o Jura, e a outras pessoas para planejar o assassinato. A suspeita é de que Becker teria sido morto por vingança, por ter ajudado o Cremers a cassar o direito de Bayard de exercer a medicina (algo que Bayar pretendia reverter).

A Polícia Civil indiciou Bayard e mais quatro pessoas por envolvimento no crime. Ainda mais duro, o Ministério Público Estadual aumentou de cinco para 11 o número de pessoas responsabilizadas. E então o caso sofreu uma reviravolta processual. Por pedido do defensor de um dos réus, em setembro de 2012 o Superior Tribunal de Justiça determinou o cancelamento do processo na Justiça Estadual e o remeteu à Justiça Federal, por entender que o Cremers representa o Conselho Federal de Medicina – um caso federal, portanto.

Em abril deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) ofereceu denúncia contra Bayard e outras sete pessoas. E, desde então, o caso não avança, formalmente, no Judiciário. Em maio estava em análise na 2ª Vara Criminal Federal e agora passou para a 11ª Vara Federal (agora não há nominação criminal nas varas).

O juiz Ricardo Borne está com o caso em mãos e ainda não decidiu se aceita a denúncia. Consultado por Zero Hora, ele mandou informar que pode tomar três caminhos: aceitar a denúncia como está, sugerir novas investigações ou rejeitar a denúncia. Caso aceite a denúncia, Borne adianta que toda a fase de instrução processual será refeita. Em bom português: réus e testemunhas serão ouvidos novamente, agora na esfera federal.

Justiça Federal poderia usar depoimentos, diz promotora

Para investigar o crime e indiciar cinco pessoas, por exemplo, a Polícia Civil levou um ano. Já o Ministério Público e a Justiça estaduais demoraram outros três anos ouvindo testemunhas e réus. Pois esses interrogatórios serão todos refeitos e podem, outra vez, levar três anos, se o ritmo federal for semelhante ao estadual. Isso se todas as testemunhas forem encontradas, não tiverem se mudado para outros Estados ou para outros países, o que representaria mais tempo na instrução do processo. Os depoentes terão de ser localizados, intimados por um oficial de Justiça e ouvidos, algo que não é rápido, como se sabe.

A promotora Lúcia Helena Callegari, da 1ª Vara do Júri da Capital, que trabalhou na denúncia contra os réus, e o advogado João Olímpio de Souza Filho, defensor de Bayard Fischer Santos, têm visões distintas sobre os rumos do processos.

– Tenho convicção de que o juiz federal poderia usar os depoimentos tomados na esfera estadual, seja das testemunhas, seja dos réus. Foram colhidos com ampla defesa, respeitados os direitos – opina Lúcia Helena.

Para Souza Filho, o que foi produzido deve ser esquecido:

– É claro que nada pode ser aproveitado do processo anterior, pelo simples motivo de que ele não existe juridicamente.



CRIME MOTIVADO POR VINGANÇA

Um colega de profissão e um traficante entre os suspeitos

- Na noite de 4 de dezembro de 2008, o oftalmologista e vice-presidente do Cremers Marco Antonio Becker é morto a tiros dentro de seu carro depois de ser abordado por dois homens em uma moto na Rua Ramiro Barcelos, no bairro Floresta, em Porto Alegre.

- Em 11 de dezembro de 2009, a Polícia Civil indicia o andrologista Bayard Fischer dos Santos e mais quatro pessoas. Conforme as investigações, o traficante de drogas Juraci Oliveira da Silva, o Jura, teria intermediado o assassinato, e os executores seriam dois comparsas dele. Assistente de Bayard, Moisés Gugel é indiciado por ter trocado mensagens com Jura.

- Becker teria sido assassinado por vingança, em razão da cassação do direito de Bayard de exercer a medicina.

- Em 22 de dezembro, o Ministério Público Estadual encaminha a denúncia à Justiça, aumentando de cinco para 11 o número de envolvidos - três pessoas que seriam ligadas aos executores do crime e outras três por falso testemunho. Uma semana depois, a Justiça aceita a denúncia contra Bayard e as outras 10 pessoas.

- Em 2 de agosto, começam os depoimentos da acusação no Caso Becker.

- Em 14 de abril de 2011, Bayard e outros cinco então réus são soltos. O ex-andrologista estava preso desde fevereiro de 2010. O TJ mandou soltar o grupo sob argumento de que ficaram mais de um ano detidos, podendo responder pelo crime em liberdade.

- Atendendo a pedido da defesa de um dos réus, em setembro de 2012, o STJ determina o cancelamento do processo na Justiça Estadual, ordenando que tramite na Justiça Federal, por entender que o Cremers representa o Conselho Federal de Medicina.

- Em janeiro de 2013, o processo chega para análise do Ministério Público Federal (MPF), que oferece denúncia contra Bayard e outras oito pessoas.

- Desde maio, a denúncia está em análise na Justiça Federal. Se for aceita, o processo será reiniciado. Caso contrário, o MPF poderá recorrer ao Tribunal Regional Federal.



quinta-feira, 14 de novembro de 2013

SISTEMA FALIDO


ZERO HORA 14 de novembro de 2013 | N° 17614


EDITORIAIS



Com a palavra, o desembargador da 7ª Câmara Criminal do Estado, José Antônio Daltoé Cezar: O Estado está se demitindo da sua função, que é de cuidar da segurança pública, e os bandidos continuam nas ruas. Não tem como prender criminosos se não existir presídio. Tem gente que diz: a polícia prende e o Judiciário solta. O Judiciário não solta. A verdade é que não tem onde prender.

A contundente afirmação do juiz, no contexto da reportagem que registra 4,3 mil condenados transitando livremente entre a população do Estado, o equivalente à lotação do Presídio Central de Porto Alegre, é uma verdadeira certidão (negativa, no pior sentido) de falência do sistema prisional gaúcho. Por absoluta falta de espaço – e por visão humanitária dos magistrados, ainda que isso cause compreensível contrariedade das vítimas –, estão sendo libertados condenados por roubo, tráfico de drogas e homicídios, para cumprir prisão domiciliar ou usar as polêmicas tornozeleiras eletrônicas. Ainda que a maioria dos beneficiados pela ilegalidade chancelada pela Justiça seja de delinquentes considerados menos perigosos, em fase final de cumprimento da pena ou condenados por crimes de baixo potencial ofensivo, a verdade é que tal liberalidade contribui para aumentar a sensação de insegurança dos cidadãos.

É tão grave a situação, que o Ministério Público já cogita ingressar com ações de improbidade administrativa contra os gestores da Superintendência dos Serviços Penitenciários e da própria Secretaria de Segurança Pública. A resposta do Executivo é tímida demais para um momento de tamanha gravidade. Alega a Susepe que a adoção de tornozeleiras eletrônicas permite que as vagas do semiaberto sejam extintas, não havendo, portanto, necessidade de mais investimentos nesse tipo de instalação prisional.

Decididamente, não é uma resposta satisfatória para a questão. Como a população pode se satisfazer com uma solução dessas, quando vê a criminalidade aumentar na mesma proporção em que os presos condenados são mandados para casa por falta de cárcere? Imagine-se, por exemplo, os familiares de uma vítima de homicídio tendo que compartilhar os mesmos espaços públicos com o autor do crime. De que adianta saber que ele estará usando a tal tornozeleira?

Pode ser que presídio não dê voto, como se costuma dizer, mas a insegurança certamente tira. Mas nem cabe examinar esta questão sob o aspecto eleitoral, ainda que estejamos na antevéspera de mais um pleito. O que se espera é uma resposta mais pragmática do governo do Estado na forma de investimentos efetivos no sistema prisional, de forma que garanta instalações dignas aos condenados e livre os cidadãos deste convívio promíscuo com criminosos.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Certamente, o sistema prisional está falido, mas está falido por não ter "sistema", por não estar inserido num "sistema de justiça criminal" e por não ser a execução penal considerada "essencial à justiça" na constituição brasileira.  O que existe no Brasil é uma justiça criminal assistemática, morosa, conivente e que joga a responsabilidade no "Estado", como se o "Estado" fosse apenas o poder administrativo, e o legislativo e o judiciário meros expectadores. Os presos não são estão á disposição da justiça? Não é o judiciário que manda prender e soltar, que determina o regime e que concede as licenças e a liberdade? Não é o judiciário o poder supervisor da execução penal? Que medidas está tomando o judiciário contra esta calamidade social e sub-humana dentro dos presídios?  Ao invés de agir contra os verdadeiros responsáveis por esta situação caótica que viola direitos humanos e dos presos, a justiça e os legisladores preferem sacrificar a paz social permitindo que os presos ficam nas ruas ou nos domicílios a mercê dos interesses das facções, sem controle, monitoramento ou oportunidades, desprezando as consequências lesivas à ordem social, ordem pública e bem estar de uma população enjaulada e aterrorizada pelo medo. 

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

EXECUÇÃO PENAL: DESCASO, DIVERGÊNCIAS E JOGO DE EMPURRA




ZERO HORA 13 de novembro de 2013 | N° 17613

JOSÉ LUÍS COSTA


LIVRES DO CÁRCERE. O Estado tem 4,3 mil presos fora da cadeia


Superintendente da Susepe e secretário da Segurança Pública podem ser acionados pelo Ministério Público pela falta de vagas



O descontrole e a escassez de vagas mandaram para as ruas 4,3 mil presos que deveriam estar em albergues no Estado. São 3,4 mil prisões domiciliares, 700 monitoramentos à distância por meio de tornozeleiras, e outros 200 apenados que foram liberados das grades para esperar vaga em casa.

Aquantidade de criminosos – entre eles condenados por roubo, tráfico de drogas e homicídios – fora das cadeias representa 15,3% da massa carcerária. É como se todos os presos do Presídio Central fossem liberados. Atualmente, estão recolhidos em casas prisionais 28,1 mil detentos, o menor contingente desde 2009. A crise pode resultar em ações de improbidade administrativa contra gestores da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).

A Susepe garante ter criado 2,9 mil vagas nos últimos três anos, mas a redução da população carcerária está ligada à soltura de apenados dos regimes aberto e semiaberto por falta de espaço e descontrole em albergues.

As liberações se tornaram uma constante em 2010. Preocupados com a superlotação, juízes de varas de execuções criminais de diferentes regiões do Estado começaram a mandar para casa presos do regime aberto, sob forma de prisão domiciliar. Em tese, são aqueles considerados menos perigosos porque estão em fase final do cumprimento de pena ou foram condenados por crimes de baixo potencial ofensivo – um levantamento da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital apontou que apenas 4% dos presos em flagrante na Grande Porto Alegre são egressos do regime aberto. A estratégia era abrir vagas nos albergues e colônias penais, mas a iniciativa não surtiu o efeito desejado.

Ao longo dos tempos, começaram a bater às portas do Tribunal de Justiça do Estado (TJ) ações requerendo a ampliação da prisão domiciliar também para presos do regime semiaberto sob o mesmo argumento: superlotação e más condições dos albergues.

E o número de presos encarcerados começou a despencar a partir de 2010, pela primeira vez em décadas. Entretanto, não abriu espaço nos albergues. Incêndios, vendavais e interdições judiciais por causa de deficiências estruturais, descontrole, falta de segurança e assassinatos levaram ao fechamento de mais de mil vagas, somente na Região Metropolitana.

No começo do ano, a Susepe prometeu, por duas vezes, reduzir o déficit com o aluguel de prédios para gerar 300 vagas para o regime semiaberto na Grande Porto Alegre, mas desistiu da ideia ao adotar o sistema de vigilância com tornozeleiras, com aval de varas de execuções.

O Ministério Público tem recorrido ao TJ, tanto das decretações de prisões domiciliares quanto do monitoramento eletrônico, sob o argumento de que a forma adotada fere a legislação.

– Somos contra tornozeleiras como mecanismo de cumprimento de pena por falta de vagas. Do jeito que vai, não duvido que, daqui a pouco, vão querer colocar tornozeleiras nos presos do fechado e mandá-los para casa – afirma o promotor João Pedro Freitas Xavier, assessor da Procuradoria de Recursos.

Prisão domiciliar se tornou alternativa para falta de vagas

O TJ ainda não tem posição firmada sobre os temas. As decisões se dividem. Uma parte acolhe, outra rejeita os recursos do MP que, inclusive, ingressou com um recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal.

O defensor Álvaro Roberto Antanavicius Fernandes, dirigente do Núcleo de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Estado, entende que a prisão domiciliar se tornou um remédio alternativo para a crônica crise de vagas.

– Diante da omissão do Estado em manter estabelecimentos prisionais adequados, não se pode impor um regime mais gravoso (pesado) do que aquele fixado ao apenado para cumprimento da pena – afirma.

O juiz Sidinei Brzuska, da VEC da Capital, diz que, por causa do descontrole nos albergues, faz pouca diferença se o preso está ou não recolhido – em três anos, ocorreram 22 mil fugas no Estado, metade na Região Metropolitana.

O magistrado diz ser contra a prisão domiciliar para presos do semiaberto, mas apoia o projeto das tornozeleiras por ser o menos ruim para a sociedade.

– Entre deixar o preso solto, seja pelas condições precárias nos albergues ou prisão domiciliar, a melhor opção é a vigilância eletrônica. Ao menos, ele será monitorado, e o Estado não tem de pagar estadia, comida, água e luz.



Promotores podem entrar com ações contra gestores


ADRIANA IRION

Os promotores que atuam na execução criminal de Porto Alegre encaminharam à Procuradoria-geral de Justiça pedido para que sejam apuradas as responsabilidades civil e criminal de autoridades do Executivo que deveriam promover a criação de vagas no sistema penitenciário.

A solicitação foi feita a partir de uma decisão do juiz Luciano Losekann, da Vara de Execuções Criminais, na qual ele questiona a concessão de prisão domiciliar especial – que não está prevista em lei – a detentos como forma de driblar a falta de vagas no regime semiaberto.

O pedido dos promotores, que pode resultar em abertura de inquérito civil contra o superintendente da Susepe, Gelson Treiesleben, e o secretário da Segurança Pública, Airton Michels, está em análise na Promotoria de Defesa do Patrimônio Público.

Ao se manifestar no processo de um preso, Losekann registrou que a gestão do sistema prisional passou a ser de responsabilidade de juízes, já que a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) teria se “demitido” das suas atribuições. E foi contundente ao destacar o papel do Executivo no problema: “... mexa-se o Poder Executivo do Estado, pois este está a gerar insegurança pública, não apenas ao descumprir ordens judiciais de remoção ao semiaberto, mas também os gestores da coisa pública estão a cometer improbidade administrativa por não adotarem as providências que lhe competem e para as quais, diga-se, sem rodeios, foram eleitos!”, diz trecho da manifestação.

Uma das promotoras que atuam na execução criminal na Capital, Ana Lucia Cioccari Azevedo diz que “ações e omissões de quem tem o dever legal de gerar vagas têm de ser apuradas”.

– Os presos estão recebendo da Susepe atestados de que não há vagas no semiaberto e estão sendo inscritos em planilhas por antiguidade a fim de concorrer a uma vaga, só que vagas não estão sendo criadas. A sociedade precisa saber que crimes estão impunes, que há insegurança nas ruas e que estabelecimentos prisionais estão sendo fechados – diz Ana Lucia.

“demitido” das suas atribuições. E foi contundente ao destacar o papel do Executivo no problema: “... mexa-se o Poder Executivo do Estado, pois este está a gerar insegurança pública, não apenas ao descumprir ordens judiciais de remoção ao semiaberto, mas também os gestores da coisa pública estão a cometer improbidade administrativa por não adotarem as providências que lhe competem e para as quais, diga-se, sem rodeios, foram eleitos!”, diz trecho da manifestação.

Uma das promotoras que atuam na execução criminal na Capital, Ana Lucia Cioccari Azevedo diz que “ações e omissões de quem tem o dever legal de gerar vagas têm de ser apuradas”.

– Os presos estão recebendo da Susepe atestados de que não há vagas no semiaberto e estão sendo inscritos em planilhas por antiguidade a fim de concorrer a uma vaga, só que vagas não estão sendo criadas. A sociedade precisa saber que crimes estão impunes, que há insegurança nas ruas e que estabelecimentos prisionais estão sendo fechados – diz Ana Lucia.




O desabafo de um desembargador


Em 24 de outubro, a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado decidiu por unanimidade que detento do semiaberto deveria cumprir pena em prisão domiciliar. Embora reconheçam que a determinação contraria o previsto na Lei de Execução Penal, desembargadores ressaltaram que a situação vivida pelo condenado também fere a lei, ao não ser proporcionada a ele condição para cumprir a pena. Relator do processo, o desembargador da 7ª Câmara Criminal, José Antônio Daltoé Cezar, desabafa.

“Em outros processos, eu neguei a prisão domiciliar, mas mudei de posição. Converso com colegas que relatam que o sistema penitenciário, principalmente na Grande Porto Alegre, está falido. O Estado está se demitindo da sua função, que é de cuidar da segurança pública, e os bandidos continuam nas ruas.

O governo tem de se dar conta de que precisa construir presídios. Não tem como prender criminosos se não existir presídio. E não tem como cumprir a lei. O semiaberto não tem vagas, e as que existem estão fechando. Aí, vem para nós. O sujeito está no semiaberto, e a Justiça terá de mandar para casa como ocorreu nesse caso. São pessoas perigosas. Toda a máquina trabalha, a Brigada Militar, a Polícia Civil, o Ministério Público, defensores e advogados, juízes, servidores.

O processo chega ao Tribunal, três desembargadores e um procurador atuam no caso para, no final, colocar uma tornozeleira no sujeito e mandá-lo para casa. Tem gente que diz: a polícia prende, e o Judiciário solta. O Judiciário não solta. A verdade é que não tem onde prender. O semiaberto é muito brando. Se um criminoso não tem antecedentes, rouba um carro, vai para o semiaberto. E ele, por inércia do Estado, está recebendo tornozeleira.”



ENTREVISTA - “Eu sou juiz, não sou gestor da Susepe”

LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, juiz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre



Zero Hora – O senhor estabeleceu critérios mais rigorosos para conceder prisão domiciliar, mas não há vagas no semiaberto. O que vai acontecer?

Luciano André Losekann – A Susepe vai ter de começar a administrar o problema. Isso deve gerar de início uma superlotação, mas essa é uma situação que a Susepe tem de administrar. Não é o Poder Judiciário. É necessário chamar a administração, o governo do Estado à responsabilidade.

ZH – O senhor saiu da VEC para atuar por mais de três anos no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O que mais o impressionou nesse retorno?

Losekann – O absoluto descontrole da Susepe sobre a gestão penitenciária. Isso é o mais assustador. Como o Estado conseguiu se demitir de suas funções. Não tem em outras unidades essa falta de vontade de administrar, não se compara à demissão de atribuições a que se submeteu a Susepe.

ZH – O que a Susepe deixa de fazer?

Losekann – Tudo. Não cumpre ordens judiciais, não cria vagas no semiaberto, não há projetos sólidos para a criação de vagas. Há uma inapetência, uma falta de vontade de resolver a situação, transferindo para o Judiciário a gestão do órgão penitenciário. Eu sou juiz, não sou gestor da Susepe. Ouço todos os dias notícias de presos com tornozeleira sendo pegos, preso em domiciliar que cometeu novo delito. Por dia, eu revogo cinco prisões domiciliares. Em 20 dias úteis de trabalho, são cem pessoas cometendo delitos em prisão domiciliar, que também precisa de fiscalização.

ZH – Tem fiscalização?

Losekann – Deve ser feita pela Susepe, que não faz. Então, estou atraindo para mim uma responsabilidade que não é minha. O sistema é da Susepe. Não fiz concurso para agente penitenciário nem fui nomeado pelo governador superintendente da Susepe.



CONTRAPONTOS

O que diz a Superintendência dos Serviços Penitenciários - 

Sobre críticas do Judiciário referente a promessas que não são cumpridas - Desconhecemos tal crítica. A Susepe já criou nos últimos três anos 2.313 vagas de regime fechado e 590 de semiaberto. Além disso, estão em andamento diversas outras obras, tanto no regime fechado quanto no semiaberto.

Sobre 3,4 mil criminosos estarem em casa, somente em prisão domiciliar, no Estado, por falta de vagas - É importante ressaltar que a prisão domiciliar não está subordinada à Susepe. É uma decisão e controle exclusivos do Judiciário. São vários os motivos para o Judiciário determinar a prisão domiciliar.

Sobre vagas geradas para os regimes semiaberto e aberto este ano na Região Metropolitana - Com o convênio firmado entre a Susepe e o Judiciário de colocar presos do semiaberto com tornozeleiras, o que está acontecendo é exatamente o contrário, as vagas do semiaberto estão sendo extintas, como ocorreu com o Instituto Penal de Torres, que foi fechado, e o Instituto Penal de Viamão, em vias de extinção. Outros institutos penais deverão seguir o mesmo caminho, pois, atualmente, há 721 detentos usando tornozeleiras, e a programação prevê mais de 4 mil em todo o Estado.

Sobre aluguel de prédios que gerariam 300 vagas para o semiaberto na Região Metropolitana - A Susepe desistiu das locações. Atualmente, há um processo para construir um anexo no Instituto Penal de Novo Hamburgo com 150 vagas. Com um convênio firmado entre a Susepe e o Judiciário para colocar tornozeleiras nos presos do semiaberto da Região Metropolitana, diminuiu o número de detentos neste regime, e o maior exemplo é o Instituto Penal de Viamão, que atualmente tem apenas 15 apenados, e já esteve com cerca de 600 presos, e o Instituto Penal Pio Buck, que hoje tem 95 detentos e já esteve também acima de 600 presos.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA -  Este fato é mais um que revela a inoperância e impotência da justiça criminal brasileira, especialmente quando se defronta com o poder político.

Ao Poder Executivo Estadual incumbe a guarda e a custódia de presos no RS, e dele deve partir os investimentos para construção de presídios regionais e municipais, abrigo digno aos apenados, dotação da guarda penitenciária, manutenção de colônias penais agrícolas e industriais, escolarização e profissionalização dos presos e políticas para atender os objetivos da execução penal que é a reeducação, reinclusão e ressocialização dos apenados da justiça.

O Poder Judiciário é o poder que manda prender, condena, manda soltar, determina o regime penal, concede benefícios penais e supervisiona a execução penal. A Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984, que institui a Lei de Execução Penal, determina que a "execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado", sob  "jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária". O artigo nº 65 determina que "a execução penal competirá ao Juiz indicado na lei local de organização judiciária e, na sua ausência, ao da sentença". E o artigo nº 66 estabelece o que compete ao juiz de execução, entre eles

"V - determinar:
a) a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua execução;(...)
VI - zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança;
VII - inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade;
VIII - interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei;
IX - compor e instalar o Conselho da Comunidade."

O Ministério Público também tem responsabilidade fiscal na execução penal estabelecida no artigo 67 - "O Ministério Público fiscalizará a execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes da execução".

Todas estas competências fazem parte de processos e ações de um sistema justiça criminal (inexistente no Brasil) e estas divergências são reflexos da forma assistemática como ela funciona no Brasil - morosa, divergente, burocrata, negligente, permissiva, condescendente, personalista, sem preocupação com os direitos humanos, impotente contra o poder político e onde o jogo de empurra é rotina e as soluções são sempre pontuais, superficiais e geralmente afrontam a segurança da população e abandonam os presos á própria sorte.

Que me desculpem as autoridades do Poder Judiciário e do MP, mas, como supervisores e fiscais da execução penal, estão sendo omissos, já que deveriam agirem de imediato denunciando e processando o Governador do Estado, chefe do Poder Executivo, promotor da calamidade prisional praticada no RS que submete presos da justiça a maus tratos e condições sub-humanas de superlotação, insegurança, ociosidade, permissividade, insalubridade, drogadição, aliciamento pelo crime e domínio de facções, que obriga os juizes de execução interditar presídios e deixar nas ruas apenados desamparados, sem controle e impunes que colocam a população em risco de vida e perda de patrimônios. Além disto, o poder judiciário deveria olhar para o umbigo, pois a morosidade é uma das causas da superlotação prisional. A postura da justiça até agora demonstra impotência e fraqueza diante do poder político, pois permite que esta situação se perenize,  deixando de denunciar o governador e avalizando leis condescendentes para com os autores de delitos (Lei 12.403/2011), sem se preocupar com a segurança da população. E, esta "fraqueza" fica explícita quando aponta responsabilidades para a Secretaria de segurança e para a Susepe, órgãos que administram , mas sem qualquer poder para conseguir os investimentos necessários nesta área.

Por fim. Acredito que a solução a médio prazo está na criação de um SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL forte, integrado, ágil, desburocratizado, comprometido com a paz social e independente tecnicamente, capaz de definir os papéis e atribuições dos poderes, instituições e órgãos envolvidos na prevenção dos delitos, na repressão, na contenção, na apuração, na prisão, no processo, no julgamento e execução penal digna e voltada à ressocialização , reeducação e reinclusão dos apenados. E para isto é necessário exigir uma lei específica no Congresso Nacional. Este sistema seria capaz de enfrentar as omissões, negligências e improbidades do poder político nesta área tão essencial à quebra do ciclo da criminalidade e ao interesse público da vida, ao patrimônio e ao bem-estar da população.